Devia ter trancado a faculdade

Às vezes eu penso em desistir, trancar a faculdade e fazer outra coisa da vida. Porque eu nunca tive certeza de que estava no curso certo. Mas aí eu penso que devia ter feito isso antes, que agora já estou no último ano e devo ir até o fim, nem que seja para dizer que tenho um diploma no currículo. E também não me ocorre nenhum outro curso que eu poderia fazer. De modo que eu continuo indo para lá toda noite, agora atormentado com o trabalho de conclusão de curso.

Neste último ano a sala não chega a 20 alunos. É quase um terço da turma que começou. Grandes amigos foram ficando pelo caminho e eu não fiz muito esforço para arrumar novos. Acostumei-me a sentar sozinho no fundo da sala, encostado à parede. Pouca gente vem conversar comigo, embora nunca me faltem convites para fazer trabalhos em dupla. Eles sabem que eu tiro boas notas e querem se beneficiar disso. Apenas Peterson é que, de vez em quando, vem puxar assunto durante os intervalos. Acho que sou para ele uma figura estranha. Mas sou um bom ouvinte, a pessoa ideal para que ele relate as suas aventuras amorosas. Ouço até com certo interesse, mas não a ponto de também contar as minhas histórias. Ele avalia as meninas da sala e outro dia quis saber se teria chances com a Camila. Não lembro o que respondi, mas é provável que eu não tenha dado muitas esperanças – eu gosto da Camila.

Em geral, os professores vão com a minha cara. Mas há um que gosta de pegar no meu pé. Ontem ele passou um filme que todo mundo adorou, mas eu achei chatíssimo. Perguntou o que achei e eu respondi que não era o meu tipo. Ele deu uma risadinha irônica e disse que, mesmo quando eu não digo nada, eu digo alguma coisa. E que eu devia falar mais o que penso, porque isso é um exercício de humildade. Ele deve achar que não é humilde deixar que os outros fiquem com as suas opiniões em vez de acatar a minha.

Ainda bem que não é ele o meu orientador. Eu devia ter trancado isso daqui, mas agora vou até o fim.