Cinco,4
Cinco,4
Tia Carminha ou tia Ana Maria, qual das duas era a mais bonita? São irmãs e uma vez fui na casa delas, a título de complemento. Tia Ana Maria era a mais bonita. O tempo dos verbos no mundo do pensamento não linear perde todo o sentido.
Colégio misto, ocasionalmente aparecia o menino sem uniforme. Enxovalhavam-no. Tenho sete anos, estou no primeiro ano primário, caligrafia é um parto, oito anos antes disseram-me: não se preocupe, serás Funcionário do Universo.
Na contagem do tempo linear, uma vastidão depois me ensinam que só existe o agora. Alguém, por gentileza, teria a fineza de me dizer onde é este lugar?
Externato Nossa Senhora de Lourdes, São Paulo, 1967. Coisas aconteciam pelo mundo. No Brasil a roda era quadrada, ficou redonda em 1970, depois parece ter desistido de si mesma e hoje, bem, há controvérsias. Pergunto para tia Ana Maria como se escreve “grama”. Ela responde: como se fala, se escreve.
A consciência é uma energia sincronizada dotada de estrutura. Isso não era ensinado no Externato. O menino desuniformizado e enxovalhado é o prêmio. No agora de ontem ninguém sabia. Hoje a Nova Era lhe presta homenagem. A resposta já existe, por isso pode ser conhecida. Os antigos desajustados paulatinamente revelam um novo padrão.
Antes de eu embarcar nessa viagem recebi instrumentos valiosos sendo o mais importante deles saber na ponta da língua pra quem eu trabalhava. E mais: faça aquilo que você ama! Essa é boa. Naquele agora eu amava a tia Ana Maria e a Renata, uma loirinha da classe ao lado.
No pátio do recreio, ilhada, guarnecida por uma cerquinha estava uma jabuticabeira. No mundo quântico ela ainda está lá, mesmo que o colégio tenha sido demolido anos mais tarde, transformado em estacionamento e depois, agora, num prédio de luxe. Ficava debaixo dela comendo sanduíche de pão de forma com manteiga e presunto e olhando pra Renata.
Que dia da semana é esse? A resposta já existe. Como se parece essa voz? Parece algo, eu chamaria, desconhecido. Em que ponto do tempo estamos? No momento, com o sol brilhando em cima de mim e dois segundos depois fecho a cortina.
Estou com a mão levantada, tia Carminha é mais enérgica, gostaria que me respondesse uma pergunta, somos crianças uniformizadas com lancheiras sendo preparadas para a próxima etapa. Sempre gostei de mulheres envolvidas em trabalhos com crianças. No mais, torna-se reconfortante saber que pouco importa o que se sabe, mesmo que isso dure pouco.
Seria inapropriado se tia Ana Maria, ou tia Carminha, ao invés de explicar que o “b” minúsculo tem uma barriga, tecer longa explanação sobre o fato de que cada um nós é como um aro de bicicleta, nossa consciência perfazendo o cerne e as varetas, linhas do tempo.
Minha avó tinha um fusca, volta e meia vinha me buscar e ai do amigo que estivesse desmazelado perto de mim naquele instante, pois iria ouvir a palavra final sobre seu desalinho e no dia seguinte sobrava pra mim.
Um fusca azul.
Saí dali para ter filhos, para mexer com desgosto numa calculadora, para ser campeão mundial de F1 sem nunca ter pilotado, para ser campeão nacional de olimpíadas na lama – vol. I,II, III e VI, saí dali chupando bala achando que era uma capa de super herói, fui vice campeão estadual em erro de interpretação perante os que amava e em detrimento dos que me amaram, saí para trocar as bolas e vaguear em pastos, praias e beiras de rios. Mais de uma vez olhei para o alto e indaguei: o que queres? Hoje murmuro “muito obrigado” antes de perguntar, e nesse momento, com o disfarçado orgulho dos que ganham sem merecer, digo que passei uma tarde inteira no Morro do Ciroca num dos dias mais lindos de toda a minha vida agradecendo sem saber pelos momentos futuros e ansiando pelo tal do agora que eu nunca sei onde está.
E a mesma voz que me falou sobre a jornada volta e meia me cutuca: lembre-se das batalhas que você lutou e venceu.
Ontem um amigo profetizou, sobre o geral da situação geral - vai piorar antes de melhorar. Confabulei comigo mesmo: putzgrila, depois de tantas idas e vindas, teremos um final imbecil?
Fosse eu um profissional do campo das letras e, imbuído das lembranças do Externato, diria para uma platéia dormente:
Liberdade e democracia são conceitos vazios sem um código de religião cívica. Código esse que deve se destinar ao serviço fiel dos mandamentos não escritos que dizem: urge dar para as nossas crianças melhores condições do que tivemos.
Ai, ai, sempre saindo para depois chegar e a cada aterrissagem compreendendo (?!) que a consciência não tem um conjunto de regras lógicas.
Nesse ponto do tempo linear, por hora mudo de inspiração, sou obrigado a usar palavras de outro para minha própria tradução do existir: necessito de muito pouco além de “uma mão pra segurar e um coração que me entenda”.
Cinco,4
Tia Carminha ou tia Ana Maria, qual das duas era a mais bonita? São irmãs e uma vez fui na casa delas, a título de complemento. Tia Ana Maria era a mais bonita. O tempo dos verbos no mundo do pensamento não linear perde todo o sentido.
Colégio misto, ocasionalmente aparecia o menino sem uniforme. Enxovalhavam-no. Tenho sete anos, estou no primeiro ano primário, caligrafia é um parto, oito anos antes disseram-me: não se preocupe, serás Funcionário do Universo.
Na contagem do tempo linear, uma vastidão depois me ensinam que só existe o agora. Alguém, por gentileza, teria a fineza de me dizer onde é este lugar?
Externato Nossa Senhora de Lourdes, São Paulo, 1967. Coisas aconteciam pelo mundo. No Brasil a roda era quadrada, ficou redonda em 1970, depois parece ter desistido de si mesma e hoje, bem, há controvérsias. Pergunto para tia Ana Maria como se escreve “grama”. Ela responde: como se fala, se escreve.
A consciência é uma energia sincronizada dotada de estrutura. Isso não era ensinado no Externato. O menino desuniformizado e enxovalhado é o prêmio. No agora de ontem ninguém sabia. Hoje a Nova Era lhe presta homenagem. A resposta já existe, por isso pode ser conhecida. Os antigos desajustados paulatinamente revelam um novo padrão.
Antes de eu embarcar nessa viagem recebi instrumentos valiosos sendo o mais importante deles saber na ponta da língua pra quem eu trabalhava. E mais: faça aquilo que você ama! Essa é boa. Naquele agora eu amava a tia Ana Maria e a Renata, uma loirinha da classe ao lado.
No pátio do recreio, ilhada, guarnecida por uma cerquinha estava uma jabuticabeira. No mundo quântico ela ainda está lá, mesmo que o colégio tenha sido demolido anos mais tarde, transformado em estacionamento e depois, agora, num prédio de luxe. Ficava debaixo dela comendo sanduíche de pão de forma com manteiga e presunto e olhando pra Renata.
Que dia da semana é esse? A resposta já existe. Como se parece essa voz? Parece algo, eu chamaria, desconhecido. Em que ponto do tempo estamos? No momento, com o sol brilhando em cima de mim e dois segundos depois fecho a cortina.
Estou com a mão levantada, tia Carminha é mais enérgica, gostaria que me respondesse uma pergunta, somos crianças uniformizadas com lancheiras sendo preparadas para a próxima etapa. Sempre gostei de mulheres envolvidas em trabalhos com crianças. No mais, torna-se reconfortante saber que pouco importa o que se sabe, mesmo que isso dure pouco.
Seria inapropriado se tia Ana Maria, ou tia Carminha, ao invés de explicar que o “b” minúsculo tem uma barriga, tecer longa explanação sobre o fato de que cada um nós é como um aro de bicicleta, nossa consciência perfazendo o cerne e as varetas, linhas do tempo.
Minha avó tinha um fusca, volta e meia vinha me buscar e ai do amigo que estivesse desmazelado perto de mim naquele instante, pois iria ouvir a palavra final sobre seu desalinho e no dia seguinte sobrava pra mim.
Um fusca azul.
Saí dali para ter filhos, para mexer com desgosto numa calculadora, para ser campeão mundial de F1 sem nunca ter pilotado, para ser campeão nacional de olimpíadas na lama – vol. I,II, III e VI, saí dali chupando bala achando que era uma capa de super herói, fui vice campeão estadual em erro de interpretação perante os que amava e em detrimento dos que me amaram, saí para trocar as bolas e vaguear em pastos, praias e beiras de rios. Mais de uma vez olhei para o alto e indaguei: o que queres? Hoje murmuro “muito obrigado” antes de perguntar, e nesse momento, com o disfarçado orgulho dos que ganham sem merecer, digo que passei uma tarde inteira no Morro do Ciroca num dos dias mais lindos de toda a minha vida agradecendo sem saber pelos momentos futuros e ansiando pelo tal do agora que eu nunca sei onde está.
E a mesma voz que me falou sobre a jornada volta e meia me cutuca: lembre-se das batalhas que você lutou e venceu.
Ontem um amigo profetizou, sobre o geral da situação geral - vai piorar antes de melhorar. Confabulei comigo mesmo: putzgrila, depois de tantas idas e vindas, teremos um final imbecil?
Fosse eu um profissional do campo das letras e, imbuído das lembranças do Externato, diria para uma platéia dormente:
Liberdade e democracia são conceitos vazios sem um código de religião cívica. Código esse que deve se destinar ao serviço fiel dos mandamentos não escritos que dizem: urge dar para as nossas crianças melhores condições do que tivemos.
Ai, ai, sempre saindo para depois chegar e a cada aterrissagem compreendendo (?!) que a consciência não tem um conjunto de regras lógicas.
Nesse ponto do tempo linear, por hora mudo de inspiração, sou obrigado a usar palavras de outro para minha própria tradução do existir: necessito de muito pouco além de “uma mão pra segurar e um coração que me entenda”.