LEMBRANÇA I
Ainda lembro-me perfeitamente de que, quando eu devia ter oito ou nove anos de idade, numa tarde de um domingo, fomos visitar a filha de uma amiga de mamãe, que estava internada no Hospital Getúlio Vargas, que naquela época era novo e de referência em bom atendimento.
Hora de visita em hospital é uma verdadeira festa pelos corredores apinhados, com gente entrando e saindo das enfermarias e, como não poderia deixar de ser, o assunto principal das conversas era a situação dos pacientes internados, aqueles que estavam melhorando ou os que permaneciam de nada para acabou-se.
Nessa época ainda não havia a presença constante e inconveniente dos pregadores evangélicos...
A menina, filha da amiga de minha mãe, estava muito bem, sentada na cama e pelo que eu pude entender, seria liberada na manhã do dia seguinte, após a visita do médico plantonista.
Mas, dois leitos adiante tinha um menino, talvez da minha idade, muito pálido, deitado com os olhos fechados e a boca aberta, num inconfundível estado de prostração.
Eu fiquei hipnotizado pelo gotejar do soro da garrafa (garrafa mesmo, de vidro) pendurada no cabide preso na cama, para dentro de um copinho transparente de onde saía a mangueira fininha, com agulha na ponta, que estava enfiada na testa daquele espectro semi-adormecido.
De repente o gemido espaçado transformou-se num som gutural, prolongado, acompanhando de movimentos convulsivos do corpo e alongamento dos braços e pernas, abriu muito os olhos e parou de respirar.
A mulher que estava junto à cama gritou:
- Enfermeira, meu filho está morrendo...
Estático, ao pé do leito, eu procurava entender aquela cena totalmente nova para mim. Toda aquela correria.
A enfermeira me empurrou para abrir passagem, no mesmo instante em que minha mãe me puxava para junto dela e me prendia junto ao seu corpo, num abraço apertado.
Ainda hoje consigo distinguir, no mais profundo da memória, os gritos de desespero daquela mãe...