O dia em que o puxa-saco escorregou na baba

Estava o médico Antonio Batista Santiago assumindo seu cargo de prefeito da bucólica cidade Itabaiana do Norte nos anos idos de 1950, quando resolveu nomear seu secretário particular, José Amaral, para a direção do jornal “A Folha”, órgão oficial do Município. Naqueles afastados anos, o cargo tinha um significado importante. Gerente do jornal tinha imputação de literato, sujeito dado às letras, assinador de crônicas, poemas e literatices afins. Foi, portanto, com a alma lavada e enxaguada de gratidão pelo benefício que o bom Amaral passou a cuidar da primeira edição do jornaleco sob nova administração. Para impressionar e enaltecer o chefe, escreveu um artigo de fundo com o vistoso título: “Dr. Santiago, um homem sensacional!”

No domingo em que circulou a edição do jornal, José Amaral vestiu seu melhor terno de linho branco, botou seu chapéu de palhinha na cabeça, à moda do chefe, e saiu garboso rua à fora, para receber os elogios dos leitores e o reconhecimento do prefeito. Espalhou sorrisos até na frente da casa do Santiago, onde o próprio estava postado, jornal na mão e um jeitão de quem não gostou nadinha daquilo. Com ar de desprezo e profunda superioridade, como era do seu feitio, o prefeito interpelou ali mesmo, na calçada, o pobre redator novato:

--- Que história é essa de sensacional, seu José Amaral? Cadê o recato? Eu não gosto desse tipo de louvação. Esteja o senhor ciente de que não é mais gerente do jornal. Está demitido.

O agora ex redator d’A Folha voltou solene pela calçada, onde um monte regular de desocupados espiava e escutava o carão que acabou de levar. Abriu caminho entre eles e seguiu, cabisbaixo, para casa.

Deu-se que outro servidor, meu compadre poeta Agenor Otávio, exercia a função de fiscal da feira livre. Esse poeta é um bajulador tipo B. Sim, porque tem o puxa-saco vidrado em agradar o chefe por motivos torpes, na intenção de arrumar um cargo, uma sinecura, um aumento de salário ou pelo simples prazer de chaleirar o superior. Esse é o chaleirador tipo A. O tipo B é aquele sujeito cordato, que trata todo mundo bem sem olhar a quem, educado e cortês. Assim é o compadre Agenor.

Esse outro episódio ocorreu alguns anos depois do caso do editor frustrado, quando Antonio Batista Santiago foi eleito pela segunda vez para administrar a cidade. O fiscal Agenor soube por alto que o digníssimo prefeito andava adoentado, coisa séria, mal que o levou a ser internado no Recife. Passados alguns dias, ao voltar, o prefeito dá de cara com Agenor.

--- Como vai o senhor prefeito? Melhorou dos seus padecimentos? – indagou o fiscal.

Foi então que o prefeito teve outro ataque de autoritarismo:

--- O que é que você está pensando? Quem é você para questionar a saúde do prefeito? Considere-se demitido, exonerado de suas funções.

No dia seguinte, o jornal “A Folha” publicou portaria assinada pelo alcaide, demitindo Agenor Otávio do cargo de fiscal de feira “por atitude insolente e questionadora com relação ao seu superior”. Assim, o servidor voltou à antiga profissão de sapateiro até ser novamente nomeado para funções públicas por outro prefeito, seu primo Josué Dias de Oliveira, irmão do sanfoneiro Sivuca.

www.fabiomozart.blogspot.com

Fábio Mozart
Enviado por Fábio Mozart em 27/05/2014
Código do texto: T4821604
Classificação de conteúdo: seguro