NÓS E OS NÓS
Muitos anos nos separam daqueles primitivos hominídeos que vagavam pelas savanas africanas... Sessenta mil anos, talvez.
Mas nos dias atuais, sem sequer termos a consciência disso, quando amarramos o cadarço do nosso sapato ou dos tênis dos nossos filhos pequenos estamos repetindo, e transmitindo para as próximas gerações, o gesto que fez com que aquele grupo de animais trilhasse um caminho evolutivo, totalmente diferente dos demais seres vivos.
O nó foi, e ainda é, determinante para nossas existências.
Muitos outros animais sabem tecer, mas dar um ou vários nós, deliberadamente, para conter ou construir algo, só nós os seres humanos sabemos fazer.
Até mesmo o nosso inteligentíssimo primo, o orangotango, (Pongo pygmaeus) que é nosso parceiro na mesma Família Zoológica, cujo DNA difere do nosso em menos de 0,06%, que é capaz de construir abrigos temporários ou permanentes, que desenvolveu linguagem sonora e de sinais, não sabe dar nós.
Se sabe, nunca demonstrou para que o pesquisador pudesse ver e registrar.
A necessidade é a mãe da criatividade e foi por causa da necessidade de transportar cargas, fazer roupas ajustadas ao corpo, fabricar redes para a pesca ou para dormir, para armar o arco que atira a flecha, para fixar um pedaço de pedra polida ao cabo de madeira para fazer um machado ou ponta de flecha, para amarrar os vãos de ponte pênsil, para fazer escadas de cordas, para ancorar os barcos ou içar as velas, que a grande descoberta foi demonstrando a sua utilidade.
Artifício e técnica, bem mais útil que a roda ou a alavanca, o nó acompanha o ser humano por toda a vida a partir do momento em que impede a hemorragia no corte do coto umbilical.
Sua importância é tal que é medida de velocidade, principalmente na navegação.
É comum ouvir-se dizer que tal barco desloca tantas toneladas a tantos nós por hora.
Isso quer dizer que um barco que pesa tantos quilos está se movimentando com velocidade de 1852m vezes o número de nós citado, por hora.
Simplificando: O navio Rainha do Mar, desloca 450 mil toneladas a 30 nós. Cada nó vale 1852m x 30 = 55.560 km/h, portanto o Rainha do Mar está navegando a 55,5 km por hora.
Aí vem a pergunta, como é que se chegou a esse tamanho?
Simples assim:
O planeta Terra é esférico e pode ser representado por um círculo;
Todo círculo tem 360º e cada grau tem 60 minutos;
O equador mede 40.000 km;
Então basta dividir 40.000 por 360 e depois por 60.
O resultado da operação é 1,851851... que abreviado ficará 1.852m
Então um nó é igual a 1 minuto do círculo que mede quarenta mil quilômetros, que pode estar em qualquer posição na esfera, seja horizontal, vertical ou inclinado.
A importância do nó está fartamente demonstrada nos desenvolvimentos das culturas de todos os povos, principalmente da América pré-colombiana, desde o norte do Alasca até o extremo sul da Terra do Fogo, onde a roda era desconhecida em muitas delas.
O esquimó usou os nós nas tiras de couro quando atrelou cães ao trenó e ou prendeu o arpão ao caiaque de caçar baleia;
Os indígenas das peles vermelhas para manter as vigas unidas no topo das tendas feitas com tecido ou couro de búfalos e para amarrar as pedras afiadas dos tomahawks;
Os Maias, Astecas e os outros povos daquela região, usaram os nós para fechar as redes, onde eram transportadas as mercadorias;
Há um tipo de ábaco inca, composto por várias cordinhas contendo números diferentes de nós que, provavelmente, serviu para aulas de matemática ou determinação de impostos em postos de fiscalização aduaneira;
Sem os nós nas extremidades das cordas ou embiras, os arcos não poderiam arremessar as flechas tanto para a caça como para a pesca ou mesmo a guerra;
Sem o nó, jamais o vaqueiro poderia conter o animal preso no laço ou um Guarany abater veados ou emas com as boleadeiras;
Foi por causa do nó, que chagamos aos instrumentos musicais de corda como a rabeca, a cítara, o violino ou o piano;
E é também graças ao nó, que a forca livra a sociedade da presença nefasta do malfeitor...
O nó também está presente na religião, São Francisco de Assis, fez simbolizar os votos de pobreza, obediência e castidade nos três nós que compõem a corda que seus seguidores usam em torno da cintura;
Os fervorosos devotos de Maria, mãe de Jesus, inventaram uma Nossa Senhora Desatadora de Nós;
Os seguidores das religiões, de raiz afro, fazem despachos de amarração, com velas enfeitadas com fitas cheias de nós;
Tal como procedem os Budistas, que amarram varetas de incenso ou outros símbolos quaisquer que representem aquilo que querem unir;
E os evangélicos das igrejas neo-pentecostais, -os pentecochatos- usam para tudo, todo tempo, o slogan – Está amarrado em nome de Jesus!...
No Nordeste Brasileiro, quando o sujeito é um chato, impertinente, que briga por tudo e reclama por qualquer coisa é conhecido como – Nó Cego – aquele difícil de desatar.
Os nós são largamente usados pelas rendeiras, tecelões, marinheiros, costureiras, cirurgiões...
No escotismo, um dos pré-requisitos para que o Lobinho seja promovido a Escoteiro é que domine a arte de dar nós e saiba as suas utilidades.
Só assim, o iniciado no código comportamental, idealizado pelo Lord Robert Stephenson Smyth Baden-Powell, poderá trocar a saudação de “Melhor Possível” para “Sempre Alerta”.