Passagem no Trânsito

A Avenida Sapopemba cortava a Vila Ema. Três da tarde. Malditos semáforos. Ao horizonte sempre verde, no vértice sempre vermelho. Rubro era o sangue que queria sair por bordas pelos olhos de quem queria atravessar. Três vias, três sinagogas, três autódromos de motoristas da pressa e da imperfeição e também de motoqueiros, não motociclistas, que se aproveitam pelas veredas entre os veículos que ocupam uma posição real na pista. Deus que perdoe, mas muito se torce para que uma porta se abra e arrebente um espertalhão desses. Os motoboys são os desordeiros do trânsito. Subservientes de um cronômetro numa cidade em que não existe tempo certo, São Paulo faz suas próprias horas, mas todos tentam construir seu próprio tempo dentro da mixórdia da cidade.

Um homem que usava gravata, mesmo com os trinta e cinco graus do verão de Fevereiro, aproximou-se para atravessar a primeira via. Uma mulher que mostrava bem as curvas pela calça colada e a bata justa, estava um pouco à frente e pôde atravessar porque um motorista de um Gol a deixou passar. Poderia ter deixado o auxiliar de escritório que vinha de trás também atravessar, mas não o fez, deu partida e desapareceu à direita. Teve de esperar mais uma ausência instantânea de automóveis e assim pode ir para a calçada donde se ia para a segunda via.

Ele foi e pouco antes de pensar em cruzar a faixa de pedestres, pôde ver novamente que a mulher esbelta atravessou porque um motociclista freou seus pedais. Só que o motoqueiro fez que não o viu e roeu um pouco mais os ares sonoros de São Paulo, que por observação, já estão estragados a muito tempo. Logo atrás mais uma safra interminável de carros, motos e caminhões que deviam seguir para a estrada do nunca ou qualquer rodovia amaldiçoada pelo fluxo de automóveis. Miseráveis, deixam à mulher passar só porque é um avião, e eu sou um fusquinha perto dela. Pensou.

Mais um intervalo e ele passou para a calçada de acesso à travessia da terceira via. Dessa vez ele estava ao lado dela, e de tanta frustração quase não jubilou os olhos com sua face emoldurada pelos cabelos louros e um corpo afrodisíaco. Ninguém mais dava passagem. Parecia que somente mulheres dirigiam carros naquela via. Mas que droga, se os homens a deixaram passar, porque as mulheres não me deixam... Pensou novamente. Ainda trocou olhares com a moça e a cumprimentou da mesma forma. Finalmente o semáforo abriu em vermelho e á frente dos dois um boneco verde indicava que era hora de atravessarem.

- É bom ser mulher bonita né...

- Por que diz isso? – Perguntou após um risinho feminino.

- ‘‘ Por que’’? Tudo quanté motorista te deu passagem. Vê se deram pra mim...

- É por isso que eu digo que as mulheres são melhores no volante.

- Melhores? Mas como? Por que você tá falando isso, depois de tantos cavalheiros e gentilezas?

- Eu te explico... As mulheres não fazem diferença. Elas não dão passagem nem para os homens e nem para as outras mulheres. E quando dão, dão para os dois.

O homem não respondeu, mas com toda certeza a conversa começava a lhe agradar e ele daria continuidade. A mulher era bonita, loura, mas não era burra. Mais burro sou eu, pensou pela última vez.