A flatulência musical



 
 
                        A vida sempre reservou surpresas incríveis para todos nós. Às vezes  nós mesmos sofremos diretamente tais surpresas e outras vezes são notícias que nos contam. Acontecem coisas difíceis de acreditar.
                        O meu amigo Aprígio me contou que assistiu a um espetáculo inusitado, em uma pequena cidade do Acre, fronteira com o Peru.       
                        Apresentava-se no teatro da cidade um austríaco que conseguia extrair música de seus peidos.  O único problema era o odor insuportável que exalava na plateia.  Todo mundo assistia ao interessante espetáculo com o dedo no nariz.  Era preciso um intervalo entre uma música e outra, para que os funcionários do teatro abrissem todas as portas e janelas do recinto, com o que entrava salutar vento noroeste vindo do Peru. Vejam, meus leitores e leitoras, que tudo se passa no baixo ventre. O vento das nádegas do artista, e vento fresco do Peru .
                        Os amigos dirão: - mas que deslavada mentira, ou poupando o autor desta crônica, por simpatia, exclamem que a imaginação do autor saiu dos  limites do razoável.  No entanto, essa foi a história que me contaram.  Estou apenas reproduzindo. E agora me recordo que a história registra um cara nascido em Marselha, por volta de 1850, que tinha esse dom, essa arte. Por isso, acreditei, até porque como cidadão sênior (invenção maravilhosa dos americanos para não me chamarem de velho), já vi coisas do arco da velha nesta vida. Tive um velho primo, o Hugão, que trovejava à noite, soltava altíssimos peidos. Mas eram apenas trovões, sem arte alguma.
                        Ninguém duvida da fala do papagaio, embora seja apenas um imitador, um bom imitador por sinal.  Eu já vi na televisão um cachorrão dizendo algumas palavras.  Cachorrão animal, bem entendido, não cachorrão político. Tudo é possível, meus amigos.
 
                        E estou passando adiante essa narrativa porque algo me surpreendeu mais do que a música, vamos dizer, bundal do estrangeiro.
                        O homem dos peidos tocou as seguintes músicas: o hino nacional brasileiro ( ele toca os hinos nacionais de quase todos os países, mas toca melhor a Marselhesa),  Atraente, da Chiquinha Gonzaga; Chiquita Bacana;  A volta do Boêmio;  Sassaricando;  Melodia Imortal, New York, New York;  Unforgetable, do Nat king Cole;  Luzes da Ribalta; duas operetas de Schubert, a 5ª Sinfonia de Beethoven, Bolero de Ravel e encerrou com Cidade Maravilhosa. Foi o bastante para acabar tudo numa esculhambação carnavalesca. Isso é que não foi bom: no momento, o Rio de Janeiro está em baixa...
                        Conto agora a minha maior surpresa:  alguém pediu para ele tocar, quer dizer, peidar musicalmente uma música funk e outro pediu uma música atual, uma sertaneja universitária.
                        O austríaco, muito sério, olhando firme para a plateia, apenas e secamente disse o seguinte:  - “Senhores, sou um artista, tenho um dom especial. Essas músicas não são arte, queiram me desculpar, por não tocar o que não considero músicas e pelo odor. Prometo, na próxima audição, tocar Tico-Tico no Fubá.   Até breve!
                        Foi aplaudido de pé.
                        Pensei com meus botões, despedindo-me do meu amigo: felizmente ainda sobrevive a verdadeira arte. 
Gdantas
Enviado por Gdantas em 24/05/2014
Reeditado em 25/05/2014
Código do texto: T4818722
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