Duas histórias
Carlos tem hoje os pés no chão. Quando era jovem, sonhava demais, vivia nas nuvens. Queria escrever para teatro e cinema – até pesquisava cursos de dramaturgia e roteiro, pedia informações, visitava escolas. Depois desistia, porque a família não gostava da ideia, e a namorada o queria ali, perto dela, trabalhando em algo que fosse normal e rentável, para logo poderem financiar uma casa, um carro, casar, ter filhos.
Mesmo assim ele continuava sonhando...
Aos poucos, porém, Carlos foi percebendo que a realidade o envolvia numa teia muito forte de verdades, cada uma mais plausível que a outra. Para se livrar dela ele teria que se esforçar demais, não compensava tanto sofrimento, e ainda havia o risco de dar tudo errado, dele fracassar e ter que voltar para casa com o rabo entre as pernas. Não. Isso ele não queria. Continuaria indo ao cinema, ao teatro, lendo e escrevendo sempre que possível, mas não arriscaria seu futuro apostando tudo em devaneios pueris.
Hoje ele é Carlos, o contador: casado, dois filhos, dono de um apartamento amplo e bem localizado, de um sítio com piscina e de um carro novinho, tudo pago. Está a caminho da aposentadoria, com os pés no chão, seguro e feliz. Ele não se arrepende de nada. Daqui a pouco se aposenta (ou não). E morre.
FIM
Carlos vive nas nuvens. Sempre foi muito sonhador, visionário. Na adolescência queria escrever para teatro e cinema, mas acabou virando escritor de romances policiais. Uma vez vendeu um roteiro para o cinema, coisa fina, mas gastou o dinheiro todo numa viagem a Paris, sozinho, onde estudou francês e teatro por três meses. Voltou e continuou a escrever. A família não aprovava sua opção de vida e tratava-o como um estranho, um ser de outro planeta. A noiva, quando ele disse que ia passar um tempo sozinho em Paris, deu-lhe um belo chute na bunda, que ele agradeceu.
Hoje ele é Carlos, o escritor: solteiro, sem filhos, sem casa própria, sem sítio e sem carro. Nunca pagou previdência. Tem uma poupança que, ele acredita, dará para mantê-lo até a morte com o básico, incluindo alguns livros por mês e uma garrafa de vinho tinto por semana. Ele não se arrepende de nada. Daqui a pouco se aposenta (ou não). E morre.
FIM