Será verdade?
Cinco horas da tarde. A sirene da fábrica toca, anunciando o final do expediente. O patrão, com seu ar arrogante, passa uma revista geral, diz uma palavra grosseira para um, dá uma bronca no outro e segue seu caminho. Quando passa por Severino, cospe. Severino sempre acha que ele gostaria de lhe cuspir na cara, com aquele ar de desprezo, sempre mal-humorado. Dizem que o patrão é assim por ser enganado pela mulher que é conhecida no pedaço pelo seu físico belo e por sua boa vontade para com os rapazes da redondeza. Do outro lado da rua seu Hanz se arrepia com o barulho da mesma sirene, lembrando o seu tempo de criança, durante a guerra na Alemanha, quando tinha que sair correndo com sua irmã menor, para fugir dos bombardeios. Para Severino, no entanto, aquele ruído soa como uma música. É o fim de mais um dia de trabalho duro. Estica-se, joga o corpo pra trás e pra frente tentando dar alívio para a coluna sofrida. Guarda as ferramentas e se dirige ao parco chuveiro. Toma seu banho, veste a camisa limpa, bota a colônia de cheiro que ganhou da rifa e sai. A duas quadras está o supermercado. Grande, iluminado, com estacionamento cheio de carros importados. Severino entra, pega um carrinho e começa a percorrer as fileiras. Olha tudo primeiro e só depois de ver os preços começa a colocar no carro biscoitos doces e salgados, salgadinhos para tomar com cerveja, doces para as meninas. Goiabada, marmelada, que Lucineide, sua filha menor, prefere. Pensa na mulher, louca por presunto, compra logo meio quilo. Bacalhau não pode deixar de levar, mais azeite, pimentão, cebola e azeitona para fazer uma bacalhoada completa. Linguiça, paio, feijão e arroz. Farinha também não pode faltar. Entra na seção de enlatados. Patês, leite em pó, chocolate, farinhas para mingau, que os pequenos gostam muito, vão sendo colocados no carro. Sua mulher, Marinelza, está sempre querendo ser elegante como as moças da novela. Tem que comprar produtos dietéticos. Procura a rapadura dietética, mas não acha, compra da comum mesmo. Afinal, não é todo dia que a pobre tem vontade de comer doce. Vou pegar um vinhosinho também - diz consigo mesmo - afinal bacalhoada sem vinho não está completa. Papel higiênico compra daquele que anuncia na TV, macio, diferente do pedaço de jornal que usa na obra. Não pode se esquecer de levar sabonetes perfumados e talco pro neném, que já deve estar quase com um ano. Desde que ele deixou a Paraíba não viu mais os filhos. Só pelo retrato que maínha mandou. Já ia saindo quando viu um vidrinho com cogumelos. Não sabia bem para que servia, mas achou bonitinho, pegou dois. Bom, parece que não falta mais nada. Só queijo e umas frutas, que pegou rapidamente. Estaciona o carrinho numa das fileiras do mercado e volta como se houvesse esquecido algo. Sai pela porta lateral, deixando o carrinho cheio. Um dia eu levo você comigo – diz para o carrinho abarrotado com as compras. Atravessa a rua, come o cachorro quente que lhe serve de jantar, toda noite. - Não quer o refrigerante hoje, paraíba? – lhe pergunta o vendedor. - Não, amigo. Hoje vou fazer uma fezinha com o dinheiro do refresco. Hoje é o último dia da sena. Segunda-feira foi trabalhar como sempre. Só na terça, de manhãzinha, soube do resultado do jogo. Ganhou sozinho. Voltou a dormir e acordou só às dez da manhã. Chegou ao trabalho às dez e meia, sentou-se numa sombra, acendeu um cigarro e ficou olhando a fumaça. Os colegas se entreolharam, achando aquilo esquisito. Quê que cê tem, cara?- perguntaram. - Nada não. Se preocupe comigo não. O patrão chegou e veio furioso ao seu encontro. - O seu idiota, você perdeu o juízo? Chega tarde e ainda vai fumar antes de começar a trabalhar! Você é burro ou é maluco, seu bosta? - So maluco não senhô, sou burro não sinhô. Eu sô é rico, corno velho. Posso comprar esse prédio inteirinho só pra mim. Ganhei na sena, corno velho. Só vim aqui hoje pra mandar o sinhô à merda, antes d’eu viajá pa Europa.
Cinco horas da tarde. A sirene da fábrica toca, anunciando o final do expediente. O patrão, com seu ar arrogante, passa uma revista geral, diz uma palavra grosseira para um, dá uma bronca no outro e segue seu caminho. Quando passa por Severino, cospe. Severino sempre acha que ele gostaria de lhe cuspir na cara, com aquele ar de desprezo, sempre mal-humorado. Dizem que o patrão é assim por ser enganado pela mulher que é conhecida no pedaço pelo seu físico belo e por sua boa vontade para com os rapazes da redondeza. Do outro lado da rua seu Hanz se arrepia com o barulho da mesma sirene, lembrando o seu tempo de criança, durante a guerra na Alemanha, quando tinha que sair correndo com sua irmã menor, para fugir dos bombardeios. Para Severino, no entanto, aquele ruído soa como uma música. É o fim de mais um dia de trabalho duro. Estica-se, joga o corpo pra trás e pra frente tentando dar alívio para a coluna sofrida. Guarda as ferramentas e se dirige ao parco chuveiro. Toma seu banho, veste a camisa limpa, bota a colônia de cheiro que ganhou da rifa e sai. A duas quadras está o supermercado. Grande, iluminado, com estacionamento cheio de carros importados. Severino entra, pega um carrinho e começa a percorrer as fileiras. Olha tudo primeiro e só depois de ver os preços começa a colocar no carro biscoitos doces e salgados, salgadinhos para tomar com cerveja, doces para as meninas. Goiabada, marmelada, que Lucineide, sua filha menor, prefere. Pensa na mulher, louca por presunto, compra logo meio quilo. Bacalhau não pode deixar de levar, mais azeite, pimentão, cebola e azeitona para fazer uma bacalhoada completa. Linguiça, paio, feijão e arroz. Farinha também não pode faltar. Entra na seção de enlatados. Patês, leite em pó, chocolate, farinhas para mingau, que os pequenos gostam muito, vão sendo colocados no carro. Sua mulher, Marinelza, está sempre querendo ser elegante como as moças da novela. Tem que comprar produtos dietéticos. Procura a rapadura dietética, mas não acha, compra da comum mesmo. Afinal, não é todo dia que a pobre tem vontade de comer doce. Vou pegar um vinhosinho também - diz consigo mesmo - afinal bacalhoada sem vinho não está completa. Papel higiênico compra daquele que anuncia na TV, macio, diferente do pedaço de jornal que usa na obra. Não pode se esquecer de levar sabonetes perfumados e talco pro neném, que já deve estar quase com um ano. Desde que ele deixou a Paraíba não viu mais os filhos. Só pelo retrato que maínha mandou. Já ia saindo quando viu um vidrinho com cogumelos. Não sabia bem para que servia, mas achou bonitinho, pegou dois. Bom, parece que não falta mais nada. Só queijo e umas frutas, que pegou rapidamente. Estaciona o carrinho numa das fileiras do mercado e volta como se houvesse esquecido algo. Sai pela porta lateral, deixando o carrinho cheio. Um dia eu levo você comigo – diz para o carrinho abarrotado com as compras. Atravessa a rua, come o cachorro quente que lhe serve de jantar, toda noite. - Não quer o refrigerante hoje, paraíba? – lhe pergunta o vendedor. - Não, amigo. Hoje vou fazer uma fezinha com o dinheiro do refresco. Hoje é o último dia da sena. Segunda-feira foi trabalhar como sempre. Só na terça, de manhãzinha, soube do resultado do jogo. Ganhou sozinho. Voltou a dormir e acordou só às dez da manhã. Chegou ao trabalho às dez e meia, sentou-se numa sombra, acendeu um cigarro e ficou olhando a fumaça. Os colegas se entreolharam, achando aquilo esquisito. Quê que cê tem, cara?- perguntaram. - Nada não. Se preocupe comigo não. O patrão chegou e veio furioso ao seu encontro. - O seu idiota, você perdeu o juízo? Chega tarde e ainda vai fumar antes de começar a trabalhar! Você é burro ou é maluco, seu bosta? - So maluco não senhô, sou burro não sinhô. Eu sô é rico, corno velho. Posso comprar esse prédio inteirinho só pra mim. Ganhei na sena, corno velho. Só vim aqui hoje pra mandar o sinhô à merda, antes d’eu viajá pa Europa.