GOL CONTRA

Ainda bem que a minha cidade natal não vai sediar nenhum jogo da Copa do Mundo. Se fosse, eu ficaria proibido de usar a expressão QUELUZITO 2014 e muitas outras ligadas ao evento. Tal proibição (aprovada pela Lei Geral da Copa) abrange centenas de palavras e expressões que possam ser exploradas comercialmente pelos brasileiros. Somente a FIFA terá esse privilégio. Somente ela poderá utilizar COPA DO MUNDO, BRASIL 2014 e outros termos do mesmo quilate, aí incluídas as 12 cidades-sedes (RIO 2014, por exemplo).

Com poderes de entidade supranacional, a FIFA abduziu parte do nosso vocabulário e só vai devolvê-la no final do ano, como mina abandonada, depois de lhe extrair todas as potencialidades econômicas, depois de arrecadar o último dobrão de ouro. Agora eu entendo Carlos Drummond de Andrade: “sob a pele das palavras há cifras e códigos”.

Assim, com o idioma mutilado, o torcedor terá de economizar o verbo e frear seus impulsos. Na hora de comprar uma lembrancinha para o neto, por exemplo, a vovó tem de prestar atenção em quem está vendendo a camiseta com o mascote do torneio. Apesar de ser criatura nativa, o FULECO agora pertence à FIFA. Até dezembro. Em 2015 ele volta a ser tatu-bola e retorna ao cerrado brasileiro.

Tudo muito curioso, principalmente se se considerar que, pelo art. 13 da Constituição Federal, a língua portuguesa é o idioma oficial da República Federativa do Brasil. Portanto, inegociável. Mais curioso ainda é o fato de que o atual Ministro dos Esportes, Aldo Rebelo, que integra o Comitê Gestor da Copa, é ferrenho defensor da inteireza desta mesma língua, em cuja defesa apresentou projeto de lei em 1999, verberando “contra os estrangeirismos que a corrompem”. Na época, sob o título “Idioma e Soberania”, sua excelência argumentou que “proteger o idioma é defender a nacionalidade” e que a língua portuguesa deverá ser tratada “como um bem soberano do patrimônio cultural do Brasil”.

Ora, mão e contramão têm as mesmas regras. O fundamento que serviu na tentativa de inibir a adoção de termos espúrios deveria servir, com maior razão, para impedir o confisco de termos legítimos e o consequente empobrecimento da língua. Da “ultima flor do Lácio, inculta e bela”. Nessa Copa, menos “esplendor” e mais “sepultura”.

Vamos aguardar dezembro, então. O mês mais festivo do ano. O mês em que o simples envio de um cartão com os dizeres NATAL 2014 poderá configurar crime de LESA-FIFA.

Pereirinha
Enviado por Pereirinha em 22/05/2014
Reeditado em 23/05/2014
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