*CRÔNICA*
A crônica foi considerada, por muito tempo, um gênero menor; até mesmo subliteratura para os castiços que não lhe admitiam qualquer classificação. Vencido esse período de resistência, alguns escritores cederam ao apelo cotidiano a que o gênero se propunha nesse formato de prosa “descomprometida” como diziam os clássicos. Predominavam o romance e o conto na prosa de ficção e nas narrativas históricas. Depois, ao naturalismo científico aderiu o realismo vigente após o esgotado romantismo em que os folhetins, direcionados ao grande público, alcançaram o leitor comum. Esse mérito de aproximação coube à escola romântica, com forte resistência dos realistas parnasianos. De qualquer modo, a nacionalização da literatura aqui produzida já tomara novo feitio e forma de publicação com os periódicos nos quais se publicavam, em capítulos, romances de autores e temas nacionais.
Os fatos do cotidiano ganharam espaço nos jornais, assim como as novelas folhetinescas conquistando o público feminino, especialmente. A crônica jornalística, esportiva ou social demorou a consagrar-se, até que renomados prosadores, principalmente contistas, deram-lhe atenção, aderindo ao novo estilo literário. Antes a crônica era um relato histórico. Nesse sentido, lembram-se cronistas como Fernão Lopes, Ruy de Pina, Zurara, João de Barros, Diogo Couto, Damião de Góis, etc. Hoje é uma espécie de conto curto ou narrativo condensada, que capta um flagrante da vida, pitoresco, atual, real ou imaginário, com ampla variedade temática e um tom poético, embora coloquial da linguagem oral. Aí temos Rubem Braga, Carlos Drummond de Andrade, Ledo Ivo, Fernando Sabino e outros.
A minha descoberta ao gênero crônica deve-se a Artur da Távola. Nele o fato aparentemente comum, como a telenovela, adquiriu relevo pela forma e conteúdo abordados. E não só isso; os embates da vida e as inquietações humanas desenvolveram-se na prosa poética do especial cronista.
Algum tempo tive a sensação de estar na Cadeira de Balanço ao ler Confissões de Minas, de Drummond. Viajei em Passeios na Ilha, como se ouvisse vozes em Fala Amendoeira, A Bolsa & a Vida. Encontrei-me no Poder Ultrajovem. Aí, então, a crônica já se impregnara em mim.
Mais tarde, minha paixão pelos romances e contos machadianos levou-me a conhecer o Machado de Assis cronista. Disse Afrânio Coutinho que “dos gêneros literários que Machado de Assis cultivou, a crônica foi elevada à mais alta perfeição”. Desde 1859, em O espelho, e depois em 1860, quando entra para a redação do Diário do Rio de Janeiro, o Jornal de Quintino Bocaiúva, e ainda na Semana Ilustrada, em O Futuro, na ilustração Brasileira, no Cruzeiro, e na Gazeta de Notícias, foram mais de quarenta anos de atividade como cronista, compreendendo-se seiscentos e quatorze crônicas, sobre os mais variados assuntos. Machado, definitivamente, consolidou a crônica, dando-lhe o mais refinado estilo literário.
Encontram-se pelo Recanto das Letras alguns cronistas de boa monta. Pouco lidos pela gama de leitor comum, mas, vez por outra, prestigiados pelos que reconhecem, em tempo e medida certos, legitimidade de valor e estilo. Fora disso, muitos enganam e se regalam em prestígios como aquela escrevedora que se diz cronista e posa de escritora. Cada qual a seu gosto assim o diz o que a crônica confirma. Ou não.