Menino Esperto
A mãe segura fortemente à mão do filho de apenas seis anos de idade, como se o garoto, de repente, fizesse nascer asas de águia e saísse voando a toda velocidade pelas tonalidades desse céu.
O pobre garoto sente-se como se sua presença, e sua liberdade fossem uma ameaça pública, por isso devia ser preso e mantido.
Antes do menino perguntar o porquê das rédeas, a mãe já lhe dizia, ‘‘Você vai correr por aí. Você vai sumir. Vão te roubar. O cachorro vai te morder. O bicho papão vai te pegar’’!
Imaginava ele que o mundo fosse um pesadelo, e que estivéssemos vivendo numa era de pandemônios, em que as crianças fossem as principais vítimas, e ainda assim, aquelas que causavam terror. Terror que era horror na mente de uma criança que deseja correr, como um pássaro voar, e sabe que está preso, como um leopardo puramente selvagem sente-se quando se vê cercado por barras de ferro.
A mãe e o filho entraram no supermercado. O garoto raspava os dedos nas mercadorias. A mãe exprobrava. ‘‘ Não toque nisso ’’. O garoto fitava os olhos por alguns instantes a mais numa embalagem chamativa. A mãe vituperava. ‘‘Nem adianta olhar muito. Não tenho dinheiro pra comprar’’.
Na verdade essa era a frase que o jovenzinho mais escutava. A mãe não tinha dinheiro. Isso era evidente, mas por todas as vezes que a mulher dizia, era provável que não tivesse dinheiro nenhum. Mas isso de pouco importa... Continuemos.
Chegaram em casa. O garoto pegou as miniaturas do Super-Homem, do Batman e do Capitão América. Sentou-se no chão e começou a brincar. ‘‘Menino, levanta do chão! O chão é sujo! Que coisa!’’.
O menino brincou numa porção de terra, no quintal. Hora do almoço. ‘‘Moleque! Vai lavar essas mãos! Que porquisse!’’. Desse jeito o rapazinho escutou bastante coisas mais naquela tarde comum. Tira a mão da parede! Pára de correr dentro de casa! Não pula a janela! Sem doces antes do jantar!
Certo. Disciplina. Ensinamento. Bons modos. Pobres, mas honrados. Mas, espere um pouco... Parece que o acatamento tinha hora pra terminar. O jantar ainda não estava pronto, e a mulher saiu da cozinha com visível pressa, sentou-se ao sofá e ligou a televisão. O garoto percebeu que a mãe parecia ter invadido e ultrapassado as dimensões do telespectador com a tela. Como se seus olhos tivessem sido engolidos pelas imagens que sucediam. ‘‘Mãe’’. ‘‘Agora não! Começou a novela das oito. Me deixa ouvir’’.
O garoto silenciou por alguns segundos, e parece que a malandragem de moleque já havia percebido o momento fortuito.
‘‘Mãe, posso...’’. ‘‘Pode! Vai fazer o que você quiser! Mas eu quero ouvir a novela!’’ Naquela noite o garoto pegou os bonecos e sentou no chão. Depois mexeu com terra no quintal e ainda destampou as panelas. Também meteu a mão nas paredes, e correu muito pela casa inteira, depois de pular a janela umas vinte vezes. Também roubou doces que a mãe escondeu no armário superior. Não teve problemas, subiu numa cadeira. Isso foi antes do jantar.
Depois de fazer tudo, parou e lamentou. Pena que era tarde, senão ele ia até o mercado olhar e tocar nas mercadorias que a mãe não tinha dinheiro pra comprar. Bendita novela das oito! Mas, espera... Aprender a ver as horas o garoto já tinha aprendido. Ele reparou que era nove e meia. E lembrou-se que começara a brincar tudo o que não lhe deixaram, quando começou a tal novela. Isto é, nove horas.
Que estranho, chamam de novela das oito, e ela começa às nove... Pensou ele e foi brincar mais.