anunciando a boa nova em Sampa
Eu estava na minha, sossegado. Olhando a noite, na praça de frente ao primeiro depê de Sampa; sentindo os membros presos a meu corpo, enquanto me perguntava de mim para mim se sabia ou não o significado da palavra “aprouche”.
Já esquecera muitas palavras. Lia-as nos livros e sublinhava as com um rabisco por debaixo de cada uma, nova, desconhecida, para procurar no dicionário a posteriori quais os sentidos.
Fumar maconha me fizera esquecer muitas palavras interessantes, sonoras e dali a pouco esqueceria mais um punhado delas, pois acendera meu cigarro recheado de marijuana.
Não demorou muito, ELES apareceram, atraídos pelo cheiro e pelo gesto de levar o isqueiro até a altura da boca e girar a pedrinha rolante e pela fumaça diáfana saída do cigarro, rebolando pelo ar...odeio ratos! Já mendigos nem tanto, afinal, sou cristão.
Aproxima-se um sujeito baixo e negro, “tem um cigarro?” me pergunta, enquanto levanta a blusa de moletom, expondo a sua carcaça cheia de ossos, mostrando que não me faria mal e que estava desarmado. Porem eu não estava desarmado!
Minha pistola Glock subcompact estava à mão, dentro do bolso da jaqueta de couro preto. Não digo palavra, meneio a cabeça de um lado a outro, lentamente; não, eu não tinha cigarro para lhe dar! O sujeito me olha, detém-se em minhas mãos, uma no bolso, segurando minha amiga diminuta e cromada, a outra: água mineral.
“tenho sede” balbucia o infeliz, incontinenti ofereço a garrafa ainda inviolada cheia d’água: “beba”, ele então bebe em goles compridos, vejo que seu pomo de adão proeminente sobe e desce saciado, num gesto brusco, joga a garrafa no chão e fixa seus olhos inexpressivos por alguns segundos em mim e me solta essa “não poderia ir comigo até o bar e comprar-me um maço de cigarros e depois ir ao banco me dar um dinheiro?” “não, já lhe dei água e isso é mais que suficiente!” respondo.
Ratos são umas pragas!... alguns mendigos também...viro as costas e vou embora enquanto exalo pelo canto da boca esculturas em fumaça de thc; olhando de soslaio, reparo seu vulto caminhando a passos rápidos em minha direção, como que para atacar-me pelas costas!
“puxei então minha automática...” quer dizer, esse é o tipo de bobagem que alguns leitores poderiam imaginar que eu fizesse, mas isso jamais me passou pelo toutiço!
“o que quer de novo rato?” perguntei pronto a passar-lhe ao menos uma desanda, “mais água, tenho muita sede”.
Lembrei-me de um folhetozinho colorido amassado que embolara no bolso, da igreja Deus é amor que dizia que nunca haveríamos de ter sede se bebêssemos da água que Cristo nos dá. Foi o que fiz!
Com a boa atitude, apertei então satisfeito minha Glock curtindo a brisa da Zensation, flanando a passos largos pelas ruas da Liberdade.