Consumo ou Consumidor?

Um ruído esganiçado e cavernoso atravessa os ares da estação. Alguns atrás da linha amarela, outros quase no limiar do vão da plataforma. Estes em maior número. A pressa sempre atiça a errar e se arriscar sem sentir que se corre risco.

Todos olharam para o fundo do túnel e o farol pôde ofuscar um pouco, era dia, mas afinal de contas, era uma estação de metrô. E o próprio chegou ao ponto de paragem com aquela cor cinzenta de uma mina de prata com dez mil anos subterrâneos. Isso pouco importa, quem vive em São Paulo vai me entender. As portas do desembarque se abriram, e ninguém caminhou por conta própria, mas todos caminharam do mesmo modo. Sim, era o horário de pico. Seis horas cravadas nos ponteiros da estação.

O milagre da entrada e saída de passageiros aconteceu novamente. Todos desafiam o perigo, mas nunca ninguém fez questão de conhecê-lo realmente. E a sorte daquelas inocentes e culpadas almas era que não estávamos na Estação Sé, era o Bresser. Abaixo da Rua dos Trilhos, Javari, Hipódromo e mais algumas. Ninguém sabe se lá é Bresser ou se é Mooca, mas eu diria que são os dois. Bem, o certo é que por entre o tropel estavam duas garotas, de vista uns dezenove anos em média para ambas. Não estavam na moda, mas eram contemporâneas. Jovens normais desse tempo excentricamente pitoresco em que vivemos. Estavam indo para a faculdade, provavelmente a São Judas, já que desembarcaram no Bresser-Mooca, mas também podia ser a Capital ou a Anhembi-Morumbi, bem... Pouco importa...

- Eu gostei daquilo que o professor dizia ontem.

- O quê?

- Sobre o consumo na nossa sociedade.

- Ah lembro. É verdade, a aula dele foi muito boa. – Esse muito foi acentuado. – Ele parece ser meio louco, mas ele é legal.

Continuaram pelas escadas, catracas e estação afora, como a turba também fazia, todos à procura dos ônibus de um terminal à beira da calçada.

- O que ele falou da alimentação é coisa séria. Conversei com o meu pai, e ele cresceu na capital também, mas ele me contou que o pai dele tinha uma plantaçãozinha de mandioca, de milho e de verduras no fundo do quintal dele. E muita gente fazia isso naquela época.

- É. Eu acho que na verdade essa é a alimentação de verdade. Não essas porcarias de lanche que a gente sai comendo nesses fast-food e nem sabe como é feito.

- Nossa. Isso é puro lixo industrial.

- Pois é. E é aí que tá o consumo. Todos têm uma boa aparência, que só de olhar dá fome e também o gosto não é nada mau, mas vai ver o que tem por trás disso tudo...

- Pois é né. Eu também gostei da parte que ele falou do consumo em vestuário.

- É mesmo, essa foi a melhor parte. Tudo verdade, igualzinho a minha mãe. Entra numa loja só pra comprar um sapato e sai de lá com meia dúzia de sacolas.

- Meia dúzia ainda é pouco. A minha leva meia loja, e se pudesse ela comprava o estabelecimento inteiro.

- Nossa... – Riu a garota.

- Melhor que isso foi só a parte da música.

- Nossa, é verdade! Aparece um cantor que ninguém sabe de onde vem, cantando uma musiquinha que qualquer um podia fazer e de repente vira o hit do momento, todo mundo sabe cantar, sabe dançar, meu Deus...

- Pois é. Aí acaba esse sucesso, o sujeito fica rico e nunca mais se ouve falar nele.

- Nossa, mas será que ninguém percebe esse tipo de consumo?

- Não sei... Eu também me pergunto isso... A gente sabe do que se trata, sabe onde está e mesmo assim todo mundo cai. Não entendo...

O ônibus continuou seguindo pela Avenida e os olhos de uma das garotas encontraram a fachada do Habbib’s. A sua fisionomia transfigurou-se como se seus olhos ganhassem uma expressão lupina, de um canino que olha a ovelha e deseja o couro que se oculta abaixo das nuvens de lã.

- É verdade. Mas mudando um pouco de assunto. Quer fazer alguma coisa, hoje depois da faculdade?

- Eu tava pensando em ir no McDonalds.

- McDonalds não, é melhor no Burger King, lá o lanche é da hora.

- Tem o Habbib’s também. Acabamos de passar. Mas acho que eu vou no Girafas.

- Pode ser. E amanhã eu vou comprar umas roupas, quer ir comigo?

- Eu não te aconselho a me chamar pra comprar roupa.

- Por quê?

- Lembra que eu falei da minha mãe?... Então... Eu sou muito pior que ela. – Novamente o muito foi acentuado e esticado. - Entro pra comprar uma calça e saio de lá com toda uma linha.

- Então somos duas. – Riu.

- Outra coisa. Na sexta eu vou numa balada sertaneja.

- Aonde é?

- Ai nem lembro, tenho que ver. É um novo cantor que estourou, quer que eu te passe a música dele? Ele é lindo...

- Ah, se ele é lindo e famoso, pode passar agora.

As duas seguiram no ônibus Vila Alpina. Uma opinião: Acho que eram da Faculdade Capital, pois passaram da Rua da Mooca.