Em tempos de Copa
Eu havia me comprometido comigo mesma a não escrever mais sobre política. Sobre políticos, muito menos. Mas o tema é abrangente, envolve o povo, e é sobre o povo e a política que estão atravessados na minha garganta que eu preciso falar um pouco, para desabafar.
Há muito tempo, quando ainda vivíamos na época da ditadura, eu via os argentinos protestando, saindo às ruas, batendo em panelas, enfrentando o governo e pensava: por que será que o brasileiro é tão pacato, aceita tudo, é manipulado pelo governo, suporta uma inflação que na época era uma das maiores do mundo, não havia moradia, salário digno, o ensino superior era para os ricos, o desemprego era desumano, a fome e a miséria rondavam as periferias que eram muito maiores que os grandes centros, não havia estradas, apenas uma sucessão de buracos, o dinheiro não valia nada, a merenda escolar era roubada, as pessoas morriam diariamente nas filas de hospitais, (quando havia hospitais), não havia médicos suficientes, muito menos médicos de PSF’s, nem remédios ou atendimento digno para quem não conseguia pagar uma consulta, já que a maioria era a pobreza e miséria. O preço da comida, do petróleo, do aluguel ( porque naquela época eram poucos os que conseguiam o milagre da casa própria) subiam assustadoramente de um dia para o outro, faltavam alimentos, havia racionamento às vezes de carne, de feijão, de café, de comida. Foram tempos duros, resultados de políticas safadas de um poder que dominou o nosso país por muito tempo, que deu força para a instituição da ditadura, que quando acabou, ainda recebeu de herança os filhotes da política antiga, que ainda mandam até hoje. E estão aí, jogando sujo, manipulando o povo, fazendo-se de vítimas enquanto chocam a riqueza acumulada ao longo dos anos, à custa da ignorância e despolitização dos humildes. E os brasileiros não faziam nada. Entravam no jogo, aceitavam as cartas marcadas, e ainda aplaudiam os governos safados engordando à custa de sua miséria. Vez ou outra, um benefício aqui, outro acolá, uma inauguração de ponte, de praça, de escola, uma carro de polícia, uma ambulância... E o povo ali, junto, aplaudindo e fazendo palanque para benefícios previstos em lei, tratados como privilégios e ajuda de políticos majoritários. Não reagíamos nunca. Os argentinos lá, brigando, enfrentando o governo e nós de cá, dormindo pacatamente em nosso berço esplêndido.
Até que um dia, alguém resolveu protestar. E chamou o povo. E todos foram. Foi lindo. Eu me senti orgulhosa, de finalmente ver a luta atravessar as ruas, enfrentar as armas, bater de frente com o poder que abusava da paciência desse povo tão pacato. Os políticos assustaram, mudaram de atitude por uns dias, aprovaram projetos às pressas, a justiça até deu as caras em alguns tribunais e o povo achou que as coisas estavam começando a mudar. Os protestos continuaram, incomodaram, viraram manchete no mundo inteiro e de repente... acabaram. Voltamos à calmaria, e o tempo passou. Chegou o tempo da Copa, das eleições e com elas, vieram as baixarias. Os protestos agora se concentram em atacar o governo, em chantagear para conseguir benefícios a toque de caixa, diante da pressão e necessidade de ordem que o momento que se aproxima necessita.
Sinto vergonha de morar num país com um poder sujo como esse. Um poder onde a briga se constrói em cima da podridão do outro. Onde ao invés de discutirem a competência de seus candidatos, cada partido busca a lama para sujar o cenário político, estraçalhar o adversário, manipular o povo com mentiras, com trapaças, com intrigas. Agora mesmo estão usando a Copa para derrubar o governo. Insuflando a população a fazer manifestos, a fazer chantagens para conseguir benefícios que eles próprios, os incentivadores, nunca se preocuparam em batalhar para a melhoria do país. Estão espalhando o ódio, a vergonha e a sujeira no solo desse país tão bonito, e deixando que o nosso retrato lá fora, seja o mais distorcido do mundo. Não merecíamos ser vistos como selvagens, como fanáticos, como ignorantes e sem lei pelo resto do mundo. Sempre fomos o país do futebol, colorimos o mundo com a nossa torcida em tempos de Copa e mostramos o nosso valor no esporte. Não precisávamos sujar nossa tradição de melhores do mundo com a vergonha de sermos tão pobres em politização, em consciência política e desconhecimento da nossa própria história. Não precisávamos mostrar tão claramente o quanto o nosso povo pode ser manipulado, influenciado e dominado por interesses mesquinhos e que não levam em consideração o crescimento social e sim, o poder político que os abutres do poder não querem perder de forma alguma. Não precisávamos mostrar para o mundo que não sabemos respeitar nossa bandeira, nosso hino, nosso solo e mais ainda, nossa garra. É uma pena, que em dias de Copa, nosso verde amarelo corra o risco de ter manchas de sangue. E que as páginas de nossa história tenha manchas de lama, numa luta que sonhei houvesse por justiça, mas que está perdendo espaço para a cobiça... E pior, liderada por um bando que se esconde nos gabinetes atapetados enquanto o povo, coitado, enfrenta a artilharia nas trincheiras.