CHOREI SORRINDO

CHOREI SORRINDO

Sempre achei que a lágrima tinha algum parentesco com o sorriso!E quando algumas vezes me diziam: “não chore”, eu me perguntava calada, porque a lágrima era tão repudiada, se eu a tinha como parceira da felicidade?

Naquela época eu pressentia que a lágrima limpava os resíduos de tristeza para felicidade entrar. Sabia que às vezes se chorava por coisas boas, mas não entendia muito bem a vinculação, já que até as lágrimas “boas” eram reprimidas, já que a “mascara “ do bom era o sorriso!.

Era tudo muito teórico, e eu não trazia para a prática essas minhas loucas e “inúteis” questões. Afinal onde acharia tão estranha criatura que se dispusesse a discutir comigo sobre o parentesco da lágrima com o sorriso?

Nada como uma aula prática para dirimir questões que só a alma teórica persegue.

Pois bem, fui convidada a assistir um recital de poesias no prédio do Ministério Público da Bahia.Confesso-lhes que não sabia do que se tratava, mas se era poesia deveria ser bom, então aceitei o convite.

Chegando lá deparei-me com alguns adolescentes, não sei quantos, talvez uns vinte, no palco, todos vestidos com uma camisa que trazia a seguinte marca: Versos de Liberdade. E aí, após as formalidades de praxe, apresentações etc... fiquei sabendo que se tratava de menores que cumpriam medidas sócio educativas pela prática de infrações, e que com eles foi realizado um projeto pela atriz Elisa Lucinda em parceiria com a fundação José Silveira e a Fundac, um projeto voltado para a poesia.

O que aconteceu depois, eu não teria palavras para descrever para vocês, porque foram coisas que não se descreve, se sente! São espetáculos de tamanha beleza, que são reservadas ao sentimento e não às palavras.Mas posso assegurar –lhes que ali o meu dicionário interno começou a fazer reviravoltas misturando significados e significantes e fazendo-me na prática experimentar o sorriso com a lágrima,com uma intensidade tal ,que nenhum dos dois poderia ser contido. E desta vez era a alma sorrindo e os olhos chorando. Sim ,porque as vezes para nos tornarmos “iguais”, apreciáveis” fazemos o contrário, sorrimos com a alma chorando.

Claro que eu sabia,ao contrário do que às vezes se pensa,que mesmo quem cometeu infrações lesivas ao convívio social, pode ter sensibilidade  e pode ser uma boa pessoa. Disso jamais duvidei, mesmo porque já atuei profissionalmente muito de perto desses garotos, quando advogava no Juizado da infância da Juventude.
O que eu nunca tinha presenciado foi o derrame desses sentimentos na expressão poética, que é para mim  a que mais expõe a alma, numa doação completa a quem escuta.

E falavam esses meninos, com toda a consciência que a poesia lhes amadureceu,de que eles não eram apenas menores infratores, mas que eram a soma de circunstâncias que lhes levaram a isso.Que a conduta lesiva não fazia parte dos seus ideais, mas ao contrário, os seus sonhos remavam em direção ao bem,a honra, e que apenas os obstáculos os desviaram desse caminho, e os fizeram necessitados do confinamento  para cumprimento de medidas sócio educativas.

Embargavam a voz de emoção até quase mostrar à plateia o avesso do avesso de suas almas, e agradeciam sempre, essa parte sem ensaios, tudo brotado do coração,às pessoas que lhes tinham proporcionado aquele contato com a poesia,e também que depositaram neles a confiança de um futuro brilhante, tal como sonha qualquer cidadão brasileiro. Isso por si só já daria um belo verso de liberdade, e de justiça, diga-se de passagem. E muitos iam além: acreditando em si,diziam que iriam provar à sociedade que uma transformação tinha se operado.

E mais uma vez o meu dicionário interno provocou-me revoluções e permitiu-me resignificar vocábulos: Esperança parece ser algo relacionado a esperar, e, portanto ao futuro. Mas naquele momento, o que eu sentia era uma esperança que não queria esperar, que fazia renascer o bem a cada fração de segundo antes do término de cada verso. Eu via a poesia transformando, tão palpável como num laboratório de química, para os que preferem enxergar com as lentes do concreto.

Pois bem, o que lhes queria dizer é que essa fora uma tarde em que as lágrimas desciam enquanto a alma sorria. Uma tarde que me respondeu aos anseios, mostrando-me que não há antagonismo entre lágrimas e sorrisos, mostrando-me também que a esperança não é uma palavra que está nos aguardando sentada preguiçosamente lá no banco da frente do jardim. A esperança é uma palavra traquina, com ânimo de criança, que fica assim pulando corda  nas mentes e corações sensíveis e abençoados,provocando  pensamentos e ações que geram projetos como esses.

E a nós, enquanto plateia, a esperança nos sussurrou   aos ouvidos, que dali jamais sairíamos os mesmos, e que como aqueles adolescentes, também tivemos oportunidade de revisitar os nossos porões e buscar avidamente a integralidade do nosso ser.

Parabéns a todos os integrantes do projeto. Não memorizei o nome de todos , mas do fundo do meu coração os abracei em agradecimento!
Conceição Castro
Enviado por Conceição Castro em 15/05/2014
Reeditado em 15/05/2014
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