Desiderata

Naquele lugar, o silêncio move a solidão, deste modo, começa a pontilhar o muro de concreto da propriedade, deixando suas pisadas esverdeadas, úmidas, marcadas pelas paredes. Fungos a matizam de cores flamejantes e a transformam em belos sonhos alucinógenos.

De frente para o casarão antigo, o jardim marca presença com o seu roseiral, fato notório dos habitantes das casas do entorno é um comentário um tanto aterrorizante, escabroso, até! O fato é que, uma das mulheres morre em Toledo na Espanha, junto dela a sua superiora, pega de surpresa, precisa providenciar toda a documentação para a translação do corpo. Tudo pronto! Data marcada para o retorno do corpo ao Brasil, uma idéia não sai da cabeça da superiora, a de levar mudas de rosas, dos jardins do entorno da cidade de Toledo. Proibido pelas autoridades a saída de plantas do país, ela busca uma alternativa, esconde as mudas nas roupas da defunta.

O corpo chega e vai direto para o velório. Ao abrir o caixão, a surpresa, rosas das mais belas cores enfeitam a morta. As mudas retiradas do esquife foram plantadas num canteiro no jardim. Fico atônita e maravilhada com a história e com as rosas.

Tereza caminha a minha frente numa quietude constrangedora, dou conta que, as carmelitas são sócias do silêncio, estou ali, para estudar uma espécie de rosa desconhecida por elas, brotou ao lado de uma construção antiga no fundo do quintal.

Indescritível a sua beleza! Atônita tiro uma foto da roseira, recolho uma folha e uma flor para pesquisa. A planta se enrosca pelo batente carcomido de uma das portas e sobe até o telhado. O perfume inunda todo o espaço grudando nas nossas narinas, colando a beleza das flores nas nossas retinas. A superiora se achega a mim, vejo nos seus olhos uma mistura de incredulidade e fé. Pergunto sobre a velha construção, ela tira uma das chaves que carrega e abre a pesada porta. Um enxame de flocos de poeira, coloridos pelos raios do sol, através do belo vitral de uma das paredes, esvoaça a nossa frente.

No vitral, o nazareno exibe uma túnica púrpura, a vivacidade da cor da roupa mistura com seu olhar, inibindo toda a paisagem ao seu redor. Ao fundo o Mar Morto, barcos e pescadores arrebatados pela personalidade do homem tornam-se figurantes! A construção é uma antiga capela proibida para visitação pela diocese. Ninguém sabe o motivo dela estar fechada. Arrebatadas pelas pinturas das paredes feitas por um artista plástico, nenhuma delas se dá conta da explosão de luz tomando um dos cantos da construção.

Uma senhora caminha acima dos ladrilhos. Flutuando? Rosto franzido marca uma feiura inexistente no rosto da humanidade ou desumanidade. Ninguém dá conta dos seus passos, todas as temem, curvam a sua passagem. Ela arrebata a encorpada superiora nos braços, a chacoalha com força e a devolve ao chão. Seu rosto se transfigura, a paz inunda seu semblante, ela se achega a mim, me carrega nos braços e me eleva junto dela, acima das cabeças das mulheres, tomadas pela histeria do momento, choram e gritam. Giro junto ao seu corpo, sinto o milagre! A cura é celebrada na nossa dança, no seu abraço maternal!