BANHO EM ÁGUAS SUJAS

Em entrevista a uma emissora portuguesa de televisão, o cantor Ney Matogrosso exagerou na exposição do caos que se encontra a sociedade brasileira. O entrevistador ficou impressionado com o que ouviu, não pela novidade, mas pela naturalidade com que o ex-Secos & Molhados pormenorizava os fatos, parecia conversa de botequim. Sem cerimônia e reproduzindo comentários simplistas, o artista disse que o governo tira casas das pessoas, que ficam “esparramadas pelas cidades”, para construir estádios para a copa, e que as mulheres concebem filhos para receberem mais benefícios do governo.

O desabafo do intérprete de “Bandoleiro” é legítimo e democrático, mas se fizesse isso em um programa de audiência aqui, ou no congresso nacional, teria mais impacto, teria mais cobrança e sua voz alcançaria mais ouvidos. Usar canais fora do país para denunciar as imoralidades da “Ilha de Vera Cruz”, não acrescenta nada além de produzir material para programas humorísticos.

É dentro de nossas fronteiras que temos que combater a falta de seringas em hospitais públicos; a tortura policial; as greves patronais; os vasos sanitários voadores; os “webs boatos” assassinos e os linchamentos medievais. Estamos indignados com os gastos públicos, com a subserviência do governo à FIFA, com os escândalos na venda de ingressos, com as mortes dos operários e com a, inevitável, politização da copa. Os artistas brasileiros falam pouco sobre política, muitos se beneficiam de parcerias com o governo através de leis, como a Rouanet, e não se manifestam, em nenhum lugar, contra os absurdos que acontecem aqui.

Mesmo com todo abuso superficial do senso comum, a sociedade tinha que aproveitar as águas das roupas sujas lavadas em Portugal e tomar um banho de consciência crítica antes de enfeitar as ruas com bandeirinhas verdes e amarelas.

Ricardo Mezavila.

http://mezavilapoeta.blogspot.com.br/2014/05/banho-em-aguas-sujas.html

Ricardo Mezavila
Enviado por Ricardo Mezavila em 13/05/2014
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