Essa tal responsabilidade

Já era tarde. Ela os observava.

Estavam sentados numa mesinha de lanchonete. Simples mas diferente daquelas que costumava frequentar.

Eram dois rapazes, com traços e idades diferentes. Que conversavam acaloradamente. Dava para perceber, na primeira vista, que um enfrentava algum problema. Estava exaltado, falava alto, atropelando as palavras. Tinha as pupilas dilatadas e a pulsação lhe soltava a veia do pescoço.

O outro de aparência mais velha o olhava com ternura. Via-se uma atenção em relação ao outro rapaz, do qual tentava sem sucesso acalma-lo com gestos de carinho e um tom de voz mais brando.

Quando ela chegou, eles já estavam lá. Naquela conversa que parecia mais uma discussão.

E sentada a poucos passos dos dois, com curiosidade passou a prestar atenção no que falavam. Ao mesmo tempo um misto de temor e empolgação tomou conta de teu corpo.

De cara já tirou a conclusão que não se pareciam. Apesar de ambos ter o porte físico semelhante e cabelos escuros. Pai e filho não podiam ser, aparentavam idades diferentes, mas não para tanto.

Podiam ser primos, amigos, colegas de trabalho. Enfim, não conseguiu descobrir.

Pois se a prestar atenção na expressão corporal e na fala dos dois.

Ela então percebeu que existia um problema, algo que pela expressão deles era grave. Que o rapaz mais novo estava enfrentando, e por não saber o que fazer foi em busca de ajuda, um conselho, uma mãozinha, uma atitude que lhe tirasse daquele sufoco.

Percebeu que esse rapaz estava envolto na esperança de que o outro lhe ajudaria, dividindo a responsabilidade de seus atos. Mesmo sabendo que esse fato lhe atingiria e atingira o responsável por essa ajuda.

Era um episodio que se vê todos os dias, toda hora. Em diferentes momentos e lugares. Mas tinha algo a mais ali. Algo que trazia o passado de ambos a tona, lhes trariam mudanças no presente e no futuro. E até onde isso seria benéfico?

A expressão deles mudava no desenrolar da conversa. As vozes aumentavam e diminuam o tom. As pupilas dilatavam e retonavam ao seu estado normal em questão de segundos. Lágrimas teimavam em surgir nos olhos, as bochechas coravam, além da agitação que tomava conta das mãos que não paravam de gesticular.

Ao mesmo tempo em que os ouvia, os seus pensamentos e sentimentos foram tomando forma.

E conceitos pré-concebidos começaram a ser questionados. Com argumentos como:

“O quanto abdicamos de nos para ajudarmos aos outros?”

“E quais consequências que essa doação nos traz diariamente?”

“Até aonde vai a minha responsabilidade, quando resolvo dar um conselho e essa pessoa o segue?”

“Até aonde vai minha responsabilidade quando me proponho a resolver um ou outro problema?”

“Em que constância isso pode vir a acontecer em minha vida?”

“Será que a minha responsabilidade começa quando acaba a tua, ou posso fazer com que assuma a minha por mim?”

Os dois ficaram horas naquela mesma mesa.

Ela entrava e saia dos seus pensamentos. Pensava se existiria uma maneira, como uma receita de bolo para ajudar alguém a enfrentar um problema.

Viu que não há certo ou errado.

Apenas escolhas.

Às vezes de ouvir e aconchegar o outro. Às vezes de tomar um problema para si e fazer de tudo, independente das consequências que possam vir a ocorrer.

Percebeu que cada um tem um fardo, que às vezes precisamos de ajuda para carrega-lo. Mas que ele pertence e tem que ser de responsabilidade de seu dono.

....

E eles se foram.