Muita figurinha para trocar

Mal havia descido do ônibus, uma velhinha me alcançou e perguntou: “Você tem figurinha para trocar?”. E eu tinha, tinha muita figurinha para trocar. Era justamente para isso que eu havia saído de casa em plena manhã de sábado. Na primeira semana talvez eu tivesse me espantado ao descobrir que também as velhinhas estavam colecionando o álbum da Copa. Mas àquela altura eu já havia trocado com gente de todas as idades, desde a criancinha que tira as figurinhas da ordem até o senhorzinho já meio surdo que mal escuta os números das repetidas. De modo que apenas tirei o meu bolinho de figurinhas do bolso e começamos mais uma troca, enquanto caminhávamos ao ponto oficial.

O lugar, uma banca de jornal, estava mais cheio do que nunca. Muita gente, eu inclusive, prestes a completar o álbum. Em pouco tempo as figurinhas que me faltavam se reduziram a uma única, que era o escudo da Espanha. Os escudos são figurinhas brilhantes que um dia alguém achou que valiam mais do que as outras. Há os que só trocam escudo por escudo e há os que só se desfazem de um deles por dois, três jogadores – sem falar naqueles que vendem por um real.

Mas a maioria das pessoas está disposta a ajudar, e quando falta uma única figurinha todos conferem se não é uma das suas. Não demorou até que eu topasse com um senhor que havia acabado de receber o escudo da Espanha, mas cedeu-o a mim quando soube que era a única que me faltava. Agradeci aquele gesto de desprendimento cristão e assim consegui completar o álbum, o que me tira da brincadeira.

Ainda estava por lá distribuindo o resto das minhas repetidas quando ouvimos de um carro que passava pela banca de jornal o grito enfurecido de “Parem de financiar esta Copa!”. Olhei ao redor para ver se as pessoas haviam se ofendido, mas a maioria não conseguiu evitar o riso. E logo voltaram às suas trocas, todos bastante animados e concentrados nesta atividade tão reacionária que é a de colecionar figurinhas da Copa do Mundo.