O acendedor de postes
Durante a formação da minha infância e juventude, observei deslumbrante e atentamente muitos aspectos da vida das pessoas no interior. Isso, provavelmente, deva ter ocorrido porque a minha família trilhou o caminho inverso do que se costuma trilhar, ou seja: aos meus oito anos de idade, mudamos de Salvador para um pontinho lá no meio do recôncavo baiano.
De imediato, me encantei com todas aquelas árvores à minha volta. Também pudera! Simplesmente, passei a morar em uma casa de frente para o mato! A feira, então, para mim, era uma cachaça. Dentro daqueles barracões, encontrava-se de tudo: preá moqueado, fumo de corda, espingardas, peixeiras, fogareiros, panacuns, rolos de arame farpado, panela de barro, rapadura e... chapéus, muitos deles; iam, servis, ao bel prazer dos seus donos, flutuando entre os ramalhetes de angélicas e margaridas. Chegavam a formar estranhas nuvens, entrando por todos aqueles corredores, parando em grupos, apeando cavalos, tomando abrideiras à base daquelas folhas, daquelas raízes escuras.
Suponho que, diante de tantas formas e expressões possíveis de convívio junto ao povo daquele lugar, de todo o tempo em que passei observando o seu comportamento, eu poderia relatar aqui infindáveis reminiscências, escrever tratados literários para a posteridade a ponto de a Bíblia, perto de tal empreendimento, ser considerada livro de bolso. Todavia, aquela cena cotidiana do homem da luz era das que mais me impressionavam durante todo o tempo em que ali vivi.
Sempre, nos finais de tarde, aparecia aquele mesmo senhor, montado em uma bicicleta bastante antiga, segurando em uma das mãos uma enorme vara que tinha um gancho adaptado na ponta; parava diante de cada poste e, com um golpe certeiro, decretava o início da noite da nossa rua. Assim, ia clareando todos os logradouros dos arredores, ajudando a compor o que hoje poderíamos chamar de logística do entretenimento noturno municipal. Cabia a nós, crianças daqueles idos de setenta, agregar apenas sonho e fantasia àquele cenário estabelecido. Ah, mas isso era moleza!
Quando amanhecia, chovesse ou fizesse sol, lá estava ele, fazendo o caminho inverso, de domingo a domingo, trezentos e sessenta e cinco dias por ano, anunciando o fim da noite, começo de mais um dia. Dessa forma, a cidade dormia e acordava em sintonia.
Atualmente, lembrar desse período do passado, daquele homem personificando a nossa dinâmica de outrora, muito mais do que simples saudosismo, torna recorrente para mim a seguinte constatação: a gente não desliga mais! Vivemos eternamente presos a tomadas wi - fi.
Às vezes, fico pensando na reação que as pessoas teriam se, de repente, através da sua máquina do tempo, um daqueles cientistas de filmes alucinantes de sessão da tarde resolvesse trazer aquele homem de volta para o nosso presente. Pensemos, então, na cena: o cavaleiro da luz chegando, justamente na hora de apagar a noite de um desses ambientes assépticos (que antigamente eram conhecidos como barzinhos, botecos, pés sujos...) cercados de televisores mudos por todos os lados, com os presentes fingindo conversar enquanto manipulam uns aparelhinhos estranhos. Nosso personagem, destemido e destoando, apagaria postes imaginários, reinaugurando o escuro esquecido das nossas madrugadas, potencializando um sem limites de possibilidades imaginativas, quando, então, ao tentarem blasfemar pelo ocorrido, esses mortais, contemplando instintivamente o céu, poderiam ter a oportunidade de ver e ouvir estrelas não virtuais.
... Ah, mas agora danou-se; pego no batente às sete, são mais de duas e eu não consigo dormir. Alguém aí, manda chamar aquele homem!