A Última Canção
E lá estava ele. Mais uma vez naquele quarto escuro, em sua escrivaninha, com a cabeça abaixada apoiada nos punhos fechados. Seus cotovelos já estavam dormentes, mas a essa altura, já nem se importava mais. Não estava dormindo nem acordado. Não estava vivo nem morto... Apenas estava. Estava lembrando do seu passado, tentando se ver no futuro, tentando saber onde estaria após a morte, se é que estaria em algum lugar. Não conseguia pensar em nada positivo em relação aos dois últimos questionamentos e tinha reais dúvidas sobre o objetivo da existência humana em geral, mas principalmente da sua. Fracassara em tudo, afastou-se da sociedade e isolou-se de tudo e todos, restando-lhe apenas algum dinheiro no banco, seu inseparável violão e seus discos do Pink Floyd. Por ora, era tudo o que precisava para manter-se vivo. A cocaína não lhe dava mais o êxtase de outrora e ficava cada vez mais difícil achar algo que realmente fizesse sentido em sua vida. Ele tinha aquela sensação de que tudo que fazia era apenas para manter-se fora de si e não para construir algo, como todas as pessoas normais fazem. Não vivia dias contínuos e sim cada um individualmente, como se morresse ao dormir. Não mais fazia planos, não mais lia o jornal. TV, nem pensar. O interior do apartamento alugado em que morava estava impecável como sempre, tudo muito limpo e organizado, ao contrário da sua vida. A maior parte de seus familiares, pelo menos os mais próximos, já havia partido. Nunca se casara e só tivera uma namorada, quando tinha 19 anos, e a relação durou até os 24, porém a perdeu tragicamente. Estavam na casa de seus pais e seguiam a pé para a casa dos pais dela, quando um motorista em alta velocidade, alcoolizado, tentou fazer uma curva e perdeu o controle, atingindo-a. Ela morreu na hora e ele presenciou a cena completa. Em seu bolso havia um anel de noivado, que ele entregaria a ela em poucos minutos. Naquele dia, junto com ela, ele perdeu sua vida, não no sentido literal, mas o jovem que havia em si se fora para nunca mais voltar. O resto dos anos vividos foi de lamentações, arrependimentos, culpa e desespero. Três anos mais tarde, sua mãe morrera de câncer e seu pai, que nunca havia se recuperado da morte da esposa, começara a beber exageradamente, o que também encurtara em muitos anos a sua vida.
E lá estava ele. Lúgubre, negligenciado, esquecido... solitário. Levantou-se e foi até o guarda-roupa, de onde tirou um revólver calibre 38. Sentou-se novamente e o pôs na cama, ao seu lado direito. Arrastou a escrivaninha para perto e sobre um pedaço de espelho quebrado despejou seu melhor amigo dos últimos anos e enfileirou sem nenhuma pressa. Com uma cédula de dez reais, cheirou pela última vez, pegou o violão, tocou sua última canção... e chorou no refrão. Cantou como um jovem cantor em uma final de programa musical, almejando a aprovação máxima. Terminada a música, abaixou o violão e o devolveu à cama. Acendeu um cigarro, mas fumou apenas até a metade. Protelou esta decisão por muitos anos, pois era indisposto demais para viver e covarde demais para se matar, mas algo dizia que era chegada a hora. Fechou os olhos, posicionou o 38 de forma que um único disparo fizesse o trabalho sem erros. Lembrou apenas das coisas felizes que viveu e das pessoas que realmente amou... um sorriso não visto há muitos anos apareceu. Uma lágrima escorreu e...