Cambalhotas


 
 
            Todas as minhas amigas e amigos já sabem que aderi ao humorismo, diante do caos reinante em nosso país e quiçá no mundo inteiro, com raras exceções. Diria que aderi ao humorismo sadio, onde talvez se possa vislumbrar alguma saída honrosa para o ser humano.
            Penso que vivemos a época da desmoralização de tudo e de todos, como já disse o filósofo espanhol José Ortega.
            As normas, os conceitos em que fomos educados, dizem os mais afoitos, parece que caducaram.  E para citar mais uma vez o meu filósofo querido Ortega, o panorama é esse: imaginem os leitores uma escola. E alguém fala que o professor saiu da sala. O que acontece? A criançada se agita e lá se vai a disciplina.  Um parêntese: eu sentia um prazer delicioso quando me via sem o professor me impondo deveres, me oprimindo. Era a hora de endoidecer, gritar a pleno pulmão, enfim virar tudo de pernas para o ar. É isso, amigos, que está acontecendo. No entanto, como disse Ortega, nos idos de 1927,  a turba infantil não tendo uma tarefa com sentido, não pode executar mais que uma coisa: cambalhotas.  
            Vejo com admiração alguns escritores geniais, como o nosso amado Veríssimo, que têm uma “antena” privilegiada e captam estes fenômenos que o homem-massa não enxerga. Mas porque disse isso. Ah! Sim! É que li outro dia uma crônica divertida do Veríssimo em que ele aponta o desespero das pessoas nesta nossa vida diária. Narro aqui o resumo.  É o caso da esposa que vai ao médico dizer que seu marido estava ficando muito vermelho, depois de um dia estafante. O marido, depois de esperar horas na fila de um banco, depois de ser assaltado no ônibus e depois de ver o “Jornal Nacional”, foi ficando vermelho a ponto de ter um ataque apoplético. O doutor disse que o marido deveria estar pê da vida e que isso teria uma progressão. O cara ficaria depois fulo, após ficaria uma arara, para finalmente entrar numa fase terminal. Qual é? – perguntou a esposa.
– Ele fica tiririca.
          O pior de tudo, venho falando há muito tempo, é que, além deste caos, as multidões crescem cada vez mais. Eu já toleraria a imposição das ideias malucas  dessas multidões ignorantes. Mas o que me faz tremer de medo é o bafo na cara. No Japão,  as pessoas já vivem uns em cima dos outros, não vejo diferença de um enorme formigueiro ( já usei esta imagem outro dia e, para minha surpresa, o Ortega usa a mesma expressão).
            Meus amigos leitores, percebem o perigo que se avizinha? Essa proximidade com os homens, que não têm nada de anjos. Para terminar, mais uma observação do Ortega. A tão propalada cortesia japonesa não passa de uma necessidade, diante desse ajuntamento perigoso. O japonês já excluiu do idioma o “tu” e o “eu”. Ao encontrar com alguém, dirá: - “ a miséria que está aqui”  cumprimenta  a sua “maravilha presente”. Se esmera no tratamento para não levar um eventual soco na cara.
            Enquanto isso, para não ficar tiririca da silva, vou dando minhas cambalhotas (dentro de casa, é lógico). Pelo menos, deve fazer bem à minha saúde.