A GOTEIRA
O presidiário José Dirceu reclama de uma goteira em sua cela, que é mal iluminada. Quem disse isso foi sua filha, que foi visitá-lo num carro oficial sem passar pela fila de espera. Realmente é muito chato isso, para quem imagina a cadeia como a extensão de sua casa, onde uma goteira martelando incessantemente no ouvido (toc...toc...toc...) soa como uma tortura chinesa.
Disse ainda que a televisão é pequena (19 polegadas), sem entrada USB ou DVD. Tudo muito limitado. Mas, no lugar dele (“vade retro”), eu não reclamaria tanto, nem estaria tão ansioso para reconquistar a liberdade plena. Aqui fora, para lembrar Guimarães Rosa, viver é muito perigoso. Além da cesta básica de furtos, roubos, homicídios e latrocínios que é servida rotineiramente à população; além da ração diária de desrespeito na saúde e no transporte, os libertos estão agora sujeitos a linchamento medieval nas ruas e morte nos estádios.
Resumindo: antes uma gota d’água em casa do que fogo nos ônibus. Antes uma mini TV na sala (ou cela) do que um vaso sanitário na cabeça, depois do futebol. É o que pensa, também, o fugitivo piauiense Johan Gonzaga da Silva Nunes, que retornou espontaneamente à prisão depois de constatar que encontraria “uma vida mais segura entre as grades”.
Por isso, apesar de entender o desconforto do ilustre presidiário, eu recomendaria muita calma nessa hora. Paciência. Relaxe e goze. Entre no clima de Sérgio Reis: “...Nessa casa tem goteira, pinga ni mim, pinga ni mim.”
Faltam poucos dias para o início da Copa do Mundo. E aí, quando todos os olhos estiverem voltados para as majestosas arenas construídas com o suor da plebe, não faltará mão amiga para trocar esse aparelhinho por uma TV LED 40 polegadas. Isso se sua excelência não for convidado para assistir aos jogos no Palácio do Buriti, onde gotas de champanhe brindarão cada gol da seleção canarinho.
Fora isso, quem não concordar com as condições carcerárias da Papuda sempre poderá solicitar transferência para Pedrinhas. Será bem-vindo.