"F" de Fome 



Dona Francisca Normélia tinha no colo uma criança de aparentemente quatro meses e, um casal Fernanda Amélia e Felix Américo. Todos com “F”. “F” de fome.
Era hora do almoço e dona Francisca Normélia tinha um pacote de biscoitos de chocolate nas mãos, desses que parecem rosquinha. Vi até a marca, vi também os olhos das crianças que almejavam os biscoitos e os comiam com os olhos.
O pacote foi aberto por dona Francisca Normélia. Um, dois, três, quatro. A distribuição foi feita. Cada criança tinha o direito de comer quatro biscoitos. Felix Américo cuidava para que a mãe não desse nenhum biscoito a mais a Fernanda Amélia, mas a mãe deixou o pacote na mão da menina e a briga estava travada. Felix Américo não concordou com a atitude da mãe. Entre gritos e esperneios quis reivindicar seus direitos quando um de seus biscoitos caiu no chão. A mãe não permitiu que o recuperasse.
Eu estava ali a observar seus atos.
Ele se detraiu com o biscoito caído e até se esqueceu do pacote.
Seus olhos brilhavam como um diamante. Queria apanhar o biscoito do chão e não podia. A mãe o vigiava. Mas, não podia. Não podia perdê-lo, de jeito nenhum.
Resolvi ajudá-lo. Abaixei e, num ato heróico, apanhei o biscoito e o escondi em minha mão direita.
Dona Francisca Normélia não tirava o olho de mim parecia desconfiada.
Fiquei quieta e sentei-me ao lado de Félix Américo e como se estivéssemos numa corrida de bastão passei-lhe, vitoriosamente, o biscoito. Sua pequenina mão quase não o escondeu. Comeu-o com desespero, com fúria. Com muita fome.
Pensei comigo mesma: Pobre mulher. Pobre e orgulhosa...
Não consegui entender as ações de dona Francisca Normélia.
Seu olhar também era de fome.