SOTAQUE AMERICANO
Tudo tem uma causa e embora eu não conheça o que origina os sotaques, hipotetizo que o modo como as pessoas falam seja influenciado pelo que elas ouvem daqueles com quem convivem(ram).
Nessa linha de raciocínio, eu penso que o monte de S e X expressados pelos cariocas e paraenses, deva-se à longa convivência com os portugueses que vieram para o Brasil, fugindo de Napoleão Bonaparte. Da mesma forma, atribuo os sotaques paranaenses, catarinenses e gaúchos à vizinhança geográfica que eles têm com povos falantes de línguas originárias do Espanhol. Infiro, ainda, que o R do mineiro deva ser fruto do tempo em que os matutos conviveram com os ingleses que vieram construir as estradas de ferro no Brasil. Eis por que a minerada adorada falar “treim” e gosta de encerrar falas usando a expressão “Uai, sô!!”, que parecer ser uma corruptela da pergunta britânica: “Why, sir?”, cuja tradução é “ Por que, senhor?”.
Minhas hipóteses para explicações dos sotaques param por aqui, pois não sei a origem dos sotaques nordestinos, nem dos paulistas, nem do baianês e muito menos do nosso, o “capixabês”. Contudo, continuo achando muito legal não apenas os sotaques, mas também a criatividade revelada nas expressões utilizadas em diferentes lugares para significarem uma mesma coisa. A nossa expressão, “Pôxa, cara, adorei!”, falada pelos gaúchos pode ser algo como: “Bah, guri, isso é trilegal!”; pelos baianos: “Opaió! Meu rei, isso é muito arretado!”; pelos cariocas: “Pô, rapá, mó irado!”; pelos paulistas: “Noussa, mano, o bagulho é da hora! Tá ligado?”; e pelos mineiros: “Eita treim bão, sô!”
O fenômeno acontece também na língua inglesa, em que o gosto pessoal classifica os sotaques entre lindos e medonhos. Isso quando se tem um bom domínio desse idioma, claro, o que não foi o caso de um casal de amigos, que resolveu passar duas semanas em New York. A esposa comprou um dicionário que a ajudasse a se recordar do que aprendera na educação básica, enquanto ele mal sabia o verbo TO BE e a expressão EXCUSE ME. Tinha, contudo, uma crença só dele: se utilizasse gestos e falasse português com sotaque igual ao falado por americanos, eles o entenderiam.
O que aconteceu foi uma sucessão de hilaridades. Quando, eventualmente, esbarrava em alguém meu amigo, julgando estar sendo educado, “desculpava-se” falando “Excuse me!”, quando queria saber o preço de algo ele atritava o polegar com o indicador e soltava um empolado: “QUANTCHOU CUXTA?”, ao que os vendedores ficavam com cara de “Cri,cri,cri,cri...?”. Se eles replicassem dizendo: “Beg your pardon!” (algo como: “repita, por favor!”), meu amigo respondia: “PARDON? NO!! EU QUERER SABER QUANTCHOU CUXTA IXTO?”.
Por sorte, volta e meia aparecia um brasileiro (e por lá há muuuuuuitos), que percebendo as dificuldades comunicacionais, traduzia as interlocuções. Dessa forma, além dos Victoria’s Secrets, Nikes, Tommies e Calvin Kleins, ele foi acumulando no cofre do hotel os Apples, os Vacherons e até mesmo os dois ingressos para assistirem ao Rei Leão na Broadway.
Na véspera da noite em que eles iriam assistir ao referido show, ao tentar abrir o cofre de sua suíte para guardar mais um tablet, meu amigo não conseguiu fazer isso, pois se esquecera da senha. Fez três tentativas e percebeu que teria de descer até à recepção para comunicar o fato a alguma das recepcionistas e solicitar-lhe que alguém o abrisse.
Não se fez de rogado e assim procedeu. Ali chegando, dirigiu-se a uma das recepcionistas e disse: “O COUFRE DO MEU QUARTO ESTÁ FEICHADO! (disse isso, fazendo o gesto de chave fechando algo).” E prosseguiu: “EU (apontou para si) PRECISAR ABRIR O COUFRE (desenhava no ar um retângulo, seguido do movimento de chave abrindo algo) DO MEU QUARTO”.
A sua esposa que a tudo assistia aflitivamente o interrompeu, tentando convencê-lo de que a moça não o estava entendendo, mas ouviu como resposta: "Como não? Eu não estou falando com sotaque americano?"
Nem mesmo a crise de riso de sua mulher o convenceu de que tal recurso era inadequado e ineficaz, pois ele repetiu a mesma coisa umas dez vezes.
Enquanto isso a pobre da funcionária, ou olhava para ele desesperada, ou perguntava-lhe uma série de coisas em inglês, complicando ainda mais o problema, levando meu amigo a se esmerar no "sotaque de americano falando português", em tom cada vez mais alto, como se a moça fosse surda.
A coisa só foi se resolver, quando nosso querido amigo Jacélio Marim (alguém que acolhe seus amigos linharenses com todo carinho e competência), residente nos USA há quase muitas décadas, chegou ao hotel para pegá-los e, sabendo do problema, transmitiu-o em inglês com sotaque perfeito.
De lá para cá, após sabermos dessa história, para zoarmos com nosso amigo, volta e meia, a gente conversa com ele fazendo gestos e falando português com sotaque de americano.