Quem sabe usar as mãos

Devo ter assustado a minha psicóloga na última sessão, porque ao final ela pediu que eu fizesse uma lista com todas as coisas que eu não consigo fazer. Creio que eu havia falado algo sobre a minha dificuldade em realizar atividades manuais, mesmo as mais simples – descascar uma laranja, por exemplo, é uma tarefa que pode ganhar contornos dramáticos nas minhas mãos. Não sei se existe um antônimo para dom, mas é como eu chamaria essa minha pouca habilidade manual.

É algo que me acompanha desde pequeno. Aos cinco anos, era eu quem mais sofria no Jardim de Infância durante as aulas de carpintaria (tínhamos aulas de carpintaria no Jardim de Infância). E quando precisamos pintar um vaso para homenagear as nossas mães, tenho certeza que a minha só aceitou o meu porque realmente era a minha mãe. Mais tarde vieram as terríveis aulas de Educação Artística e a necessidade de recortar, dobrar, furar, picotar, pintar, enfim, tudo aquilo que eu não sabia fazer e, aliás, continuo não sabendo.

Mas a psicóloga se referia a dificuldades mais recentes, as que eu tenho que enfrentar na minha condição de dono de casa que mora sozinho. Neste ponto estou muito distante daquilo que se espera de um homem, pois considero-me incapaz de realizar qualquer tipo de conserto doméstico e a própria troca de uma lâmpada já pode ser considerada um pequeno feito. O que estragar, estragado ficará até que eu ache alguém para consertar. Esse alguém às vezes tenta me ensinar, diz como tenho que fazer e pede que eu repita, porque não consegue admitir que eu não seja capaz de fazer uma coisa tão simples, mas eu me atrapalho todo, o sujeito então perde a paciência e fala “dá aqui” e acaba fazendo sozinho mesmo.

Há muitas coisas para eu colocar nessa lista, mas eu ainda não sei como isso vai me ajudar. Admiro quem saber usar as mãos para a arte ou para ganhar a vida. As minhas têm sido usadas para tirar da carteira o dinheiro da consulta. Isso, infelizmente, eu consigo fazer.