O MENINO
Eu vi o menino, e nele a vagueza dos que andam sem rumo;
Trazia na cabeça uma caixa de papelão; certamente vendia algo, talvez pastéis, pelo cheiro característico.
Talvez iria entregá-los; não o sei. Não importa.
Apenas vi em seus olhos a profundeza dos que estão ausentes, dos que, diante de uma dor indefinida, fogem para aquele canto profundo que todos trazem dentro de si, e podem criá-lo e recriá-lo à vontade.
E nele podem amainar as dores do mundo ou dele se abrigar.
Cantarolava uma canção indefinível; não importava, ele a entendia, sua letra não havia ainda sido colocada no papel, talvez nunca o seria, mas dele era a melodia, e sua era a poesia.
Os olhos, fitos no infinito, revolteavam em órbitas mil e no canto da boca, um imperceptível rito de riso.
Os pés, portando surrados e encardidos chinelos, levavam a impressão de que seguiam por um calçamento divino
Na leveza dos que sonham acordados, dos que levitam ao êxtase de uma descoberta feliz.
Uma das mãos, livre, executava gestos aleatórios, como a reger uma orquestra invisível, qual altivo maestro em seu púlpito, a comandar coros celestes acompanhados de instrumentos musicais ainda não criados...
O menino se foi e eu fiquei com essa impressão no peito, essa sensação oprimida dos que insistem na esperança.
A pensar que os tantos dramas individuais são como teias de fios inobserváveis a tecer a rede da vida
Em outras vidas.