Uma escritora de prestígio
 

É escritora bem sucedida, com oito livros publicados e diversos trabalhos em revistas e jornais. Também uma boa palestrante que mantém a plateia interessada por horas, devido à sua enorme versatilidade. Convites para isso é que não faltam, o que a obriga a viajar constantemente por quase todo o país. Mas, apesar de ser trabalho cansativo, gosta do que faz, e isso é que importa.

Certa vez, quando preparava no computador uma palestra que faria na semana seguinte, resolveu parar e navegar um pouco pela web para realizar pesquisas que a auxiliassem em sua tarefa profissional. A Internet era o lugar ideal para isso, com o seu ilimitado banco de dados que se atualizava constantemente.

Foi quando encontrou um site de literatura para escritores amadores, e mesmo do alto da experiência obtida com a publicação de suas obras, achou que extrairia algo de proveitoso, ainda que numa área de principiantes nas artes das letras. Não teria nada a perder, e poderia até dar algumas dicas aos usuários sobre como escrever com estilo, o que despertaria o interesse dos leitores.

Então, a partir desse dia tornou-se uma “Recantista” e postou textos sobre o cotidiano somente para interagir com os demais “colegas”, com eles trocando ideias sempre que possível e ao meso tempo sugerindo técnicas redacionais, fazendo que aos poucos se entrosasse e interessasse com a “brincadeira” que se propusera perpetrar, como um simples e prosaico passatempo.

Por ser a literatura um vício para ela, acabou se envolvendo completamente, ainda que sem um interesse financeiro. Sentia uma vontade louca de escrever, e que era quase impossível refrear. Uma sensação gostosa que servia, inclusive, para que divulgasse o seu verdadeiro estilo e fizesse alguns comentários sobre os livros que publicara.

E como o site permitia a interação dos usuários, inclusive com a troca de críticas das obras postadas, resolveu testar as suas qualidades profissionais e medir o grau de aceitação de seus textos, que seriam aferidos pelo número de visitas e comentários feitos pelos demais escritores à sua escrivaninha Até que seria divertido, pensou.

No decorrer dos dias, percebeu que, embora o número de leituras dos seus textos alcançasse patamares significativos, a quantidade de comentários sempre ficava muito aquém do total de visitas.

O que causaria isso? Poderia ser pelo fato que a maioria não se interessasse em fazer comentários, mesmo que tivesse gostado do que havia lido? Ou seriam outras as causas desse fenômeno?

Após navegar mais detalhadamente pelo quadro geral de leituras, percebeu que os textos colocados nos primeiros lugares possuíam expressivos comentários, tantos quanto às visitas registradas. Como poderia isso ser explicado pela lógica? Afinal, observara que os pretensos atributos de algumas obras, e conceituadas como as mais lidas, ficavam muito abaixo da sua perspectiva profissional, algumas, inclusive, possuíam erros grosseiros de ortografia e concordância verbal, pois além de escritora consagrada era também crítica literária.        
                        

Estava assim diante de um mistério. Qual seria afinal o critério seletivo das pessoas que compunham o quadro de escritores amadores do Recanto? Tinha que haver uma explicação razoável que justificasse aquela “aberração”, segundo os seus próprios conceitos. Em algum lugar estaria a resposta para os seus questionamentos. Mas... em que lugar?

Sentiu-se até um pouco deprimida por ter sido preterida por “amadores”, ainda que não estivesse disputando nenhum concurso de literatura. O fato dos seus textos não conseguirem, na média, uma boa colocação no rank das leituras, foi o suficiente para que caísse em si e acabasse por descobrir que não bastava escrever um belo texto e com uma redação impecável, ou mesmo utilizar técnicas profissionais nessa área, já que o leitor leigo não levava nada disso em consideração, pesando, muitas vezes, a questão de simpatia pelo autor e o seu modo simples de escrever, mesmo que às vezes com erros crassos e utilizando temas desenvolvidos de forma popular, com o uso de um palavreado acessível e espartano, além de temas atuais sem o uso de termos rebuscados, como aqueles utilizados pela maioria dos escritores profissionais.

Daí em diante, em decorrência dessa sua insólita, porém lógica conclusão, ela desceu do seu “pedestal”, o que lhe proporcionou um expressivo aumento nas leituras e nos comentários, devido ao uso de um linguajar mais acessível, impecável em termos gerais. E essa experiência foi tão gratificante que acabou influenciando o antigo estilo conservador que usava, com reflexos positivos em sua vida profissional e fazendo que conquistasse novos leitores para os seus livros editados a partir dessa singular experiência.

 
Cronista
Enviado por Cronista em 06/05/2014
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