Surreal (EC)
O espaço branco permitia a visão de várias portas: largas, nem tão largas, estreitas, só o marco.
Dedos giram a maçaneta. Amapola brincava sem brinquedos. Seu Joaquim Polegário era o portuga da padaria, naturalmente. Com bigodão desenhado nos cantos da boca. Precisava de uma noiva urgente. Que tal dona Amistosa, uma espanhola? Da direita não ia dar! Teriam que morar no mesmo lado esquerdo do peito. Seu coração, indicador de corações solitários, apontou Dona Iolanda Palma, dos olhos de nanquim. Daqui em diante seria: Dona Lola Polegário, elegante esposa de um estrangeiro. Vovô Papa falava pra todo mundo que ela daria uma boa contadora no caixa da família. Mais alto que todos, vovô era conhecido como o Pai dos Toldos, por causa do chapéu de tampinha de refrigerante. Essa onda de reciclagem de qualquer jeito, deixava Tio Saturnino com vergonha da parentada e a se esconder sob os anéis de papel. Criança não ia ter naquele lado não! Melhor que o mascote da família Palma fosse um cão com focinho de miolo de pão. Minguinho, cão travesso e mal educado gostava de cutucar as orelhas dos outros.
Na outra casa moraria a família mais divertida do planeta! Dona Amistosa Quirodáctilo, que contava histórias sobre tudo que era coisa, com sorriso pontilhado, devia ter duzentos anos. Era a espanhola mais brasileira que havia. Tinha sido parteira, benzedeira, carpideira, costureira, lavadeira, cozinheira, enfermeira, marinheira e uma porção de eiras. Até engraxate... Coisa que só tinha visto trabalharem os meninos da Vila Mão Fina, agachados lá na praça da Matriz. Agora, o Seu Coralino era o indicador regente das fofocas do bairro. Magrinho, parecia descarnado, andava pelos paralelepípedos como se flutuasse agitando uma imaginária varinha de maestro. O pobre velhinho se atrapalhava todo ao contar causos, mas divertia mesmo assim. Trocava nomes, datas, fatos, tudo! Era um tal de Saci que jogava beisebol, um pajé Sting que fazia OM... com seu cachimbo de ouro, a freira que dançava tango e outros absurdos. No lado direito, o mais alto de todos era o Padre Amatulo. Bonachão, gostava de se vestir de Drácula toda sexta-feira treze (que no calendário daquele povoado feliz era toda sexta-feira), quando esvaziava um garrafão de vinho. Depois, havia as gêmeas Pã e Mela. Caneta esferográfica verde e caneta vermelha Bic da ponta fina, que nem as duas rainhas de Alice no País das Maravilhas. Nada, nada parecidas. Devia ser proibido ter irmã gêmea mais bonita que a outra.
A porta se abre. Quando o enfermeiro entrou trazendo a bandeja inox e o algodão no álcool para apagar todo mundo, Amapola bateu palmas e sorriu. Tinha em cada mão uma história inteira pra contar!
Este texto faz parte do Exercício Criativo SURREAL
Saiba mais, conheça outros textos:
http://encantodasletras.50webs.com/surreal.htm
Imagem: jacekdybek.wordpress.com
O espaço branco permitia a visão de várias portas: largas, nem tão largas, estreitas, só o marco.
Dedos giram a maçaneta. Amapola brincava sem brinquedos. Seu Joaquim Polegário era o portuga da padaria, naturalmente. Com bigodão desenhado nos cantos da boca. Precisava de uma noiva urgente. Que tal dona Amistosa, uma espanhola? Da direita não ia dar! Teriam que morar no mesmo lado esquerdo do peito. Seu coração, indicador de corações solitários, apontou Dona Iolanda Palma, dos olhos de nanquim. Daqui em diante seria: Dona Lola Polegário, elegante esposa de um estrangeiro. Vovô Papa falava pra todo mundo que ela daria uma boa contadora no caixa da família. Mais alto que todos, vovô era conhecido como o Pai dos Toldos, por causa do chapéu de tampinha de refrigerante. Essa onda de reciclagem de qualquer jeito, deixava Tio Saturnino com vergonha da parentada e a se esconder sob os anéis de papel. Criança não ia ter naquele lado não! Melhor que o mascote da família Palma fosse um cão com focinho de miolo de pão. Minguinho, cão travesso e mal educado gostava de cutucar as orelhas dos outros.
Na outra casa moraria a família mais divertida do planeta! Dona Amistosa Quirodáctilo, que contava histórias sobre tudo que era coisa, com sorriso pontilhado, devia ter duzentos anos. Era a espanhola mais brasileira que havia. Tinha sido parteira, benzedeira, carpideira, costureira, lavadeira, cozinheira, enfermeira, marinheira e uma porção de eiras. Até engraxate... Coisa que só tinha visto trabalharem os meninos da Vila Mão Fina, agachados lá na praça da Matriz. Agora, o Seu Coralino era o indicador regente das fofocas do bairro. Magrinho, parecia descarnado, andava pelos paralelepípedos como se flutuasse agitando uma imaginária varinha de maestro. O pobre velhinho se atrapalhava todo ao contar causos, mas divertia mesmo assim. Trocava nomes, datas, fatos, tudo! Era um tal de Saci que jogava beisebol, um pajé Sting que fazia OM... com seu cachimbo de ouro, a freira que dançava tango e outros absurdos. No lado direito, o mais alto de todos era o Padre Amatulo. Bonachão, gostava de se vestir de Drácula toda sexta-feira treze (que no calendário daquele povoado feliz era toda sexta-feira), quando esvaziava um garrafão de vinho. Depois, havia as gêmeas Pã e Mela. Caneta esferográfica verde e caneta vermelha Bic da ponta fina, que nem as duas rainhas de Alice no País das Maravilhas. Nada, nada parecidas. Devia ser proibido ter irmã gêmea mais bonita que a outra.
A porta se abre. Quando o enfermeiro entrou trazendo a bandeja inox e o algodão no álcool para apagar todo mundo, Amapola bateu palmas e sorriu. Tinha em cada mão uma história inteira pra contar!
Este texto faz parte do Exercício Criativo SURREAL
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