Sul Real

É curioso pensar na sequência de acontecimentos que fizeram com que estejamos no local onde estamos, fazendo o que fazemos, sendo como somos. Quantas vidas e quantas histórias estão por trás de nossa presença física... e, quando olho minha árvore genealógica, percebo que, se não fosse a imigração estrangeira que aconteceu no Brasil, muito provavelmente a vida teria sido muito diversa da que é hoje.

Todos os meus antepassados vieram da Itália, alguns já para a lavoura de café em São Paulo, no início do século vinte; outros na primeira leva, ainda no século 19, visando a colonização do Sul. Aprendi na escola que, antes dos italianos, os alemães foram convidados a colonizar o sul do Brasil, terras gentilmente cedidas pelo Rei Dom João VI por conta do clima frio, mais de acordo com as temperaturas de sua terra natal... Porém, na verdade, o ermo sul era uma terra de ninguém, que podia a qualquer momento ser perdida para as ex-colônias espanholas vizinhas - e portanto precisava ser rapidamente ocupada.

A primeira mentira real pegou. Os alemães - e mais tarde os italianos - vieram em busca de dias melhores, atraídos pelo sem número de benefícios prometidos. E esses benefícios é que foram a segunda (e pior) mentira desse Sul surreal: no livro “As faces da Vida – Os Graciola”, José Francisco Graciola conta que nosso tataravô veio para Santa Catarina – mais precisamente para o atual município de Gaspar – saindo da província de Trento, norte da Itália, para descobrir que o Sul real não era nada além de mata fechada, que ele mesmo precisou desbravar para poder construir, com suas próprias mãos, abrigo para a família (que à época constava de esposa e um filho pequeno). Meu bisavô materno Secondo Graciola nasceu em seguida, já em terras brasileiras, no meio de grande privação e sacrifício. Nada das facilidades prometidas.

Gosto de pensar nas histórias que se desenrolaram para que a vida que vivo hoje tenha sido possível. É a vida real; uma vida de trabalho árduo, desde o assentamento inicial de meu tataravô italiano em Santa Catarina, passando pela migração de seu filho, meu bisavô catarinense, para o trabalho na lavoura de café no interior de São Paulo; lá nasceram seus filhos (um deles minha avó) que mais tarde conheceu seu marido, também brasileiro e descendente de italianos. A segunda filha desse casal veio a conhecer o nono filho de um outro casal de imigrantes, estes vindos ao Brasil da região da Reggio Emilia direto para os cafezais do interior paulista já quase no século 20. Depois, como marido e mulher, estes dois jovens vieram para a capital, tiveram filhos... e finalmente aqui estamos, meu irmão e eu.

Se o Sul real não houvesse sido tão duro com meus antepassados, talvez meu bisavô não tivesse desejado vir para o estado de São Paulo. Talvez tivesse ficado em Santa Catarina mesmo e, quem sabe, se casado com uma bela imigrante alemã... E daí, puxa vida, quem sabe eu pudesse ter nascido Gisele Bündchen??

Agora sim, parece surreal demais.

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Este texto faz parte do Exercicio Criativo "Surreal"

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