DIA DE DOMINGO

Eu observava da janela do meu quarto no segundo andar de um hotel quase falido. Eram onze e meia de uma manhã típica, como qualquer outra de domingo. As famílias transitavam, chegavam. Iriam se reunir para almoçar, coisa que não acontecia durante a semana. Durante a semana elas comiam, mas não almoçavam. Apenas ingeriam alimentos como qualquer ser biologicamente vivo, tão somente para sua sobrevivência instintiva e solitária. Mas domingo era diferente. A mesa sempre estava cheia de coisas gostosas, e as conversas não deixavam sequer espaço para respirar. Teria refrigerante. Teria sobremesa. Teria almoço

As crianças estavam felizes; iriam encontrar os primos. A mais velha delas seria atormentada por algumas tias que lhe perguntariam sobre coisas de namoro. Fingiria não dar importância, mas depois reclamaria com algum amigo e xingaria aquela pobre tia. Os mais velhos, no entanto, resmungariam sobre o jogo de logo mais , e depois, com algumas latas de cerveja, formulariam as mais refinadas técnicas para burlar o leão quando fossem fazer a declaração do imposto de renda. Aquele que é formado em direito realizaria algumas tentativas de exibicionismo, mas todos saberiam que ele terminara a faculdade às pressas. Aliás, só havia terminado porque o pai, também advogado, o obrigara. A discussão levaria algumas horas, e só quando a primeira carne estivesse assada é que todos enfim concordariam em apenas uma coisa: que no Brasil temos muitos impostos.

O futebol voltaria à pauta principal. Discutiriam a nova contratação do momento e, como os mais nobres videntes, preveriam o os resultados dos jogos da rodada; alguns mais pretensiosos ousariam até dizer quem seria o campeão do ano.

Enquanto isso, fora das reuniões familiares, alguma outra família ainda estaria dividida preparando os últimos detalhes para a festa infantil do fim da tarde. Alguma criança faria aniversário, e ela estaria em radiante júbilo, como se fosse seu primeiro, único e último aniversário. Mal saberia ela que em outra casa, outra família, de outros convidados, ainda não decidira se viria a festa, pois os pais estavam cansados e achavam que domingo era dia de descanso, porém as crianças não deixariam seu amigo desapontado, mesmo que esse fosse apenas o pretexto para comer alguns doces e conhecer o videogame de última geração que o dono da festa usaria como objeto de presunção e poder.

No mais, lá estava eu, pensando e observando. Comeria alguma coisa mal feita, assistiria um pouco de TV e leria algum livro ruim. Depois tomaria banho e prepararia um café preto, forte e sem açúcar. As famílias almoçariam, esperariam alguns momentos e aos poucos esvaziariam a casa enfim, deixando apenas latas de cerveja e restos de carnes queimadas. A festa da criança seria um sucesso, e todos os convidados iriam arrastados pelos seus filhos. Depois iriam embora, acompanhados de suas “sacolinhas” de doces ruins e alguns comentários sobre pessoas que não viam há tempo.

E assim aquele domingo terminaria. A rodada do campeonato deixaria alguns tristes, outros felizes. Nenhum juiz escaparia dos tão frequentes xingamentos, mesmo que fosse o mais bem intencionado juiz da Terra. À noite os jornais falariam da rodada e de algumas coisas ruins. Algumas pessoas reclamariam que o fim de semana passa rápido e que amanhã já era segunda-feira. E assim seria até o fim dos tempos. De tudo isso, apenas uma dúvida ficaria no ar: que time ganharia o campeonato aquele ano?

Gabriel Malheiros
Enviado por Gabriel Malheiros em 05/05/2014
Código do texto: T4794754
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