Manteiga Caseira

Manteiga caseira!

Hoje é domingo, em pleno exercício da masculinidade, defronto com a Emerenciana, no conflito entre lavar as louças do almoço e fazer manteiga. Como não gosto de manteiga, escolho a lavação das vasilhas. A Emerenciana, sabe lá por que, não aceita e prefere, não cabe aqui discutir, fazer as duas coisas: lavar e fazer manteiga! E eu continuo a exercitar aquilo que é tão característico do espécime masculino no reino doméstico, matutar!

Na árdua tarefa de matutar relembro que há, mais ou menos, 50 anos atrás, quando ainda não tinha aversão à manteiga, participava do processo de sua produção junto com o Zé Câncio, lá nos confins das Gerais. Falei para a Emerenciana que começávamos bem cedinho, muitas das vezes, ainda escurinho e, enquanto o Zé Câncio tirava o leite das vacas, assentado em um banquinho de 3 pernas, o Zé Eustáquio e eu íamos desnatando o leite, vendo cair numa vasilha separada o creme. Como não sou químico, nem especialista em laticínio, mas simplesmente gente, acredito, assim como em tantas outras coisas que não sei como, que aquele creme era o que virava manteiga, a do Zé Câncio, tão gostosa, que havia fila para adquiri-la no final de semana, quando íamos ao Peçanha tocando os burros lenheiros e a mula Juventina, que levava no lombo a carga mais valiosa: a manteiga, o requeijão e o doce de leite do Zé Câncio!

Voltando ao presente, a Emerenciana usa uma vasilha de plástico, diferente da gamela de tamburil do Zé Câncio e o seu creme não vem das desnatadeiras, que hoje só os ciganos conhecem, mas do cotidiano hábito de retirar, todos os dias, antes de aquecer o leite vindo da Furna do Chiqueiro, a lamina de manteiga que se acumula por cima da vasilha, a tal nata, que muitos filhos e netinhos abominam.

A Emerenciana confessou que o creme que hoje ela está batendo na vasilha de plástico é o resultado da coleta deste último mês e, na sua visão econômica, dará um resultado equivalente a 400 gramas de manteiga de leite, o suficiente para fazer bolachinhas de nata, pão de queijo e outras quitandas mais!

Vendo o esforço da Emerenciana em bater o creme para separar a manteiga do soro, lembrei que o Zé Câncio, na beira da bica, vez ou outra, levava a gamela para debaixo da fonte e, como magia, o creme se transformava em manteiga. Era fascinante, aos meus dez, doze anos, nada tinha de reação química, de troca de calores. Eram as mãos fantásticas do Zé Câncio e a água gelada daquelas paragens, quem realizavam tamanha façanha.

Falei para a Emerenciana jogar sobre o seu creme um tanto de água gelada. A minha

esperança, depois de mais de 50 anos, era reviver a magia da transformação instantânea do leite em manteiga.

A Emerenciana indignada com a folguice da macheza masculina fez muchocho pôs o creme no freezer e foi fazer as unhas com a manicure que acabara de chegar.

Indiferente, continuei o exercício da masculinidade no reino do lar... matutar!

João dos Santos Leite

Ituiutaba-MG, 04/05/2014

Joao dos Santos Leite
Enviado por Joao dos Santos Leite em 04/05/2014
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