Sobre coadores e esperança

Hoje eu passei a tarde costurando coadores de leite para o meu irmão enquanto chovia lá fora.

Entre 2012 e 2013 meu pai e irmão caçula, único filho que ficou na roça, perderam quase todo o gado, dizimados pela seca que assolou impiedosamente o sertão nordestino. Meu pai ficou com poucas cabeças de gado, em um único dia 20 amanheceram sem vida, numa cena que até hoje é de partir o coração. Meu pai, para consolar minha mãe disse apenas:

“ – O que sobrar é nosso Lindina...”.

Meu irmão já tinha vendido a maioria de suas rezes, vacas leiteiras de onde tirava o seu sustento através da fabricação de queijo. Ficou apenas com uma vaca para tirar dois litros de leite e passou a criar ovelhas.

Eles acabaram todas as economias comprando água e ração. Era uma desolação só. Mas eles ficaram na luta pelo que tinham e pelos “bichinhos brutos”.

Em janeiro deste ano, meu período de férias, fui passar alguns dias com eles na roça. Na despedida, meu irmão me disse:

“ – Quando vier aqui de novo traga uns ‘cuador’ de leite pra mim”.

Eu não entendi muito bem na hora, mas naquelas simples palavras, estava a esperança. Esperança que de novo choverá no sertão, e ele precisará, logicamente, de coadores para coar o leite de suas vacas!

Isso tem a ver com a esperança do sertanejo. Com o homem simples que não lota os bancos das igrejas, mas tem um coração transbordante de fé.

Daqui do meu apartamento, onde só percebo a chuva através do basculante, quase me esqueço de como a chuva é preciosa no interior. Qualquer um de nós, urbanos que somos, do alto de nossos apartamentos diríamos:

“ – Como pode ainda pensar em criar gado depois de todo o sofrimento e prejuízo do ano passado?!”.

Mas é assim que eles sabem viver, é essa a vida que eles conhecem.

Então liguei pra minha mãe (pois lá chegou uma linha rural!) e perguntei se estava chovendo.

Meu irmão já está arando terra e a esperança está regando o chão e o coração do sertanejo: “Esse ano tem fartura no sertão!”