MOMENTO QUASE INSANO
O desemprego havia batido na porta do condomínio de minha vida. Falo condomínio porque em minha vida já éramos cinco: eu, minha esposa e meus três filhos. E como um bom desempregado, olhava para o futuro e temia.
Resolvi sair para semear alguns “curricula vitae” (esse é o plural, segunda minhas pesquisas de “curriculum vitae”) em lojas e estabelecimentos comerciais, nessas alturas estava topando qualquer coisa.
Entrei no primeiro ônibus que apareceu em minha frente com destino ao centro comercial. Andei bastante, implorei bastante, ouvi não bastante, suei bastante. O meu cheiro já começava a ficar fora da data de validade.
Depois de quase esgotada todas as minhas forças, pois nessa altura a sede já me molestava, bem como a fome oprimia-me. As glândulas salivares resolveram fazer paralização em forma de protesto. Já começava a engolir saliva em estado sólido. Meu intestino delgado parecia querer devorar o intestino grosso, tamanha a fome.
Nesse momento senti que algo não ia bem no meu corpo. Senti como se os meus órgãos intestinais estivessem sendo jogados de um lado para outro. De repente senti e ouvi um estrondo dentro de minha barriga. As glândulas sudoríparas iniciaram um processo de fabricação de suor a 2º graus celsius abaixo de zero. Nunca havia suado tão frio quanto neste dia.
Minha barriga, neste momento, rebelou-se contra mim e meu sistema nervoso, tal qual uma criança tola que não obedece aos pais.
Resolvi olhar para o futuro e vislumbrei que estava longe de casa a aproximadamente a uma hora de viagem de ônibus. Apressei os passos e dirigi-me para a parada mais próxima. Foi aí que percebi que meus cálculos estavam equivocados, pois o tempo de viagem deveria ser computado desde o momento que estivesse na para a espera do transporte coletivo. Foram uns quarenta minutos de espera, portanto eu estava longe de casa há uma hora e quarenta minutos aproximadamente.
“Espero que dê tempo!” – pensei. Enquanto isso o colapso intestinal se intensificava e consequentemente a minha aflição era latente em minhas expressões faciais e corporais. Vez ou outra comprimia os olhos e encurvava a coluna para frente. Estava me tornando uma espécie de “Corcunda de Notre Dame” com os olhos de japonês.
“Finalmente o ônibus, graças a Deus!” – murmurei, não conseguindo conter meus pensamentos. Entrei e sentei-me, tentando a conchegar-me em um banco de plástico duro e escorregadio e dono de um encosto feito para causar suplício às costas de quem se assentava nele.
Tentei fixar meus pensamentos em algum ponto do passado que me trouxesse paz e felicidade, pois havia aprendido nos livros que esse é um truque que funciona para ludibriar a mente, senhora do nosso corpo. Tudo em vão! Minha barriga continuava grunhindo e dessa vez mais forte e em intervalos mais curtos.
Comecei a sentir como se um líquido percorresse o meu intestino de maneira vertical. A força gravitacional parecia dar uma mãozinha puxando líquido para baixo. O mais interessante de tudo é que tudo que é liquido sempre acha, quando há, um orifício para escapar. E dessa vez parecia que não seria diferente.
Nossa! Comecei a ficar apavorado!!! Mexia-me de um lado para outro no banco; ora sentava-me sobre o glúteo direito ora sobre o esquerdo. Não conseguia pensar em mais nada a não ser nos grunhidos intestinais, que pareciam falar comigo em tom de ameaça.
O motorista do ônibus parecia estar de conluio com o tempo, pois vinha se arrastando pelas avenidas e BR. Nunca tinha entendido a teoria de Albert Einstein de que o tempo é relativo, até passar por esse momento. O tempo parecia haver se dilatado, acho que havia se dilataaaaaaaaaaado.
Finalmente o ônibus subiu ao viaduto! Ah! Aquela curva íngreme que nos leva até ao topo do elevado foi para mim um tormento! Resolvi levantar-me, mesmo o ônibus estando quase vazio, e fiquei em pé por uns dez minutos fazendo malabarismo sobre as pernas: ora me apoiava sobre a direita ora sobre a esquerda. Acho que já havia perdido minha sanidade mental. Além disso, os músculos dos meus glúteos já estavam exaustos e doloridos de tanto contrair-se e descontrair-se. Esse era o meu grande medo, ou seja, de ele descontrair-se e “distrair-se”. Se isso acontecesse a merda estava feita literalmente!
Não me contendo mais puxei a corda que liga a sirene que sinaliza ao motorista, dando sinal de que queria descer na próxima parada. E assim ele parou. E assim eu desci. Foi aí que percebi que nessa parada não havia nenhuma casa aberta, na qual eu pudesse pedir socorro. O meu desespero chegou ao ápice. Confesso que senti vontade de fingir-me de louco, para poder ter a concessão de cometer um ato insano.
Olhei e avistei um táxi. Lembrei-me que tinha alguns trocados no bolso, meus únicos trocados, não hesitei! Dei com a mão e o táxi parou. Entrei e sentei-me no banco da frente. Dei-lhe as coordenadas dizendo: “para minha casa!”. O motorista muito educado disse: “mas onde você mora?!”. Disse-lhe: “desculpa! Guajará 1, WE 52.” Partimos. Percebi então que o motorista queria colocar em prática a “política da boa vizinhança”, puxando um assunto qualquer. Foi aí que virei para ele e disse: “meu amigo, não me leva a mal, não! Mas dá pra você correr, porque estou quase me cagando!!”. Falei isso olhando bem nos olhos dele e comprimindo todos os músculos do meu rosto. Ele então me retrucou: “pô! Não faça isso! Acabei de mandar lavar o carro!” ele não contou conversa e sentou o pé no acelerador. Quando entramos na rua de casa, fui logo puxando o dinheiro e pagando. Ele então me perguntou: “nessa casa que você mora? É! - respondi. “acho que não tem ninguém ai! Mas se você se cagar agora, pelo menos você já está na frente de sua casa” – falou em tom de deboche. “Vira a essa boca prá lá” – disse em tom de descrédito.
Bati desesperadamente à porta, gritei feito louco, na esperança de ter alguém dormindo em casa. A praga do taxista concretizou-se: não havia ninguém nem uma “viva alma” em casa.
Olhei para o meu lado esquerdo e ali estava a nossa vizinha em frente de sua casa sorrindo-me, como quem estivesse me dando as boas vindas e pensando: “hummm... o vizinho está bem de situação, pois já está até andando de táxi!!”.
Corri em sua direção e disse apressadamente: “licença, vizinha!”. E invadi a sua casa a procura do banheiro. Sentei-me no vaso e aaaah! ...... que alívio!
Agora, criar coragem para sair de lá de dentro do banheiro e encarar a vizinha é outra história...