Cada qual tem os seus motivos
Marcos demorou a retornar da escola. Atraso atípico: normalmente ia e voltava com a irmã. Ela bem que estranhou saber que ele tinha ido embora sozinho: _ Que será que deu nele? – pensou; tem tanto medo de andar só...
A mãe também estranhou, mas com tanto a fazer acabou esquecendo-se do filho.
As duas tomaram um susto quando a porta se abriu e Marcos entrou com seu novo corte de cabelo: moicano radical!
Mudas, as duas se entreolharam sem entender o que levou um rapaz tão discreto a tomar tal atitude. A trilha de cabelos eriçados no meio da cabeça, da testa à nuca, emprestava a Marcos um ar bizarro...
A refeição foi em silêncio, embora o adolescente parecesse bem à vontade.
Quando o pai chegou, o rapaz estava no seu quarto. A mãe lhe contou a novidade quase sussurrando. O pai emudeceu e passou bom tempo envolto em pensamentos. De repente desabafou:
– Onde foi que erramos?
No dia seguinte os pais foram à escola e ao curso de inglês do filho, para sondar se colegas e professores haviam notado algo estranho com o garoto, mas todos negaram.
Quando entraram no carro, o pai comentou: – Marcos inventou ou descobriu alguma coisa. Precisamos saber o que e como.
Perto de casa, avistaram Marcos voltando pra casa só e tranquilamente.
– Ele tem saído sozinho desde que foi ao barbeiro; disse a mãe ao perceber o olhar indagador do marido.
O pai estacionou o carro sem desligar o veículo, deixou a mulher em casa, e foi direto ao barbeiro que há anos ele e o filho frequentavam.
Enquanto era atendido, displicentemente perguntou a seu José se tinha cortado os cabelos de Marcos recentemente. Diante da negativa do barbeiro, o pai retornou a casa; estava mais calmo, e não sabia por que, mas estava bem.
Encontrou Marcos em seu quarto tocando violão.
– Filho, eu quero entender as suas razões para tomar uma atitude tão radical.
– Ah, os cabelos? Não se preocupe não, pai. Tem funcionado legal. Os trombadinhas e trombadões nem me encaram mais. Pesquisei na internet. Tinha uns índios americanos, os moicanos, que cortavam os cabelos assim – e apontou a própria cabeleira – antes de irem pra guerra, pra deixar os inimigos apavorados. Pai, e não é que funciona? Até os vizinhos me olham de outro jeito...
Fez uma pausa e prosseguiu; agora mais sério:
– Pai, eu não posso viver me escondendo, me apoiando nos outros até para sair na rua. Pai, eu sou um homem. Eu cuido de mim. Amanhã vou cancelar o psicólogo e agradecer a ele. Porque ele já deu o seu recado ao dizer: “Cada qual encontra o seu caminho”.
22/06/2009 -