O Rio, uma vez mais     


    

                            Todo ano, aqui no nosso Recanto das Letras,  e às vezes mais de uma vez no ano, costumo relembrar o meu Rio de Janeiro como se fosse a minha pátria. E sempre sou advertido, tanto por alguns amigos  como  também  pelas minhas filhas cariocas, de que estou falando de um Rio que não existe mais. Lá se vão mais de quinze anos em que estou ausente do Rio. E, realmente, o Rio da minha infância, da minha mocidade, assim como destes quinze anos, este Rio desapareceu. Antes que continue, queridas amigas e amigos, imagino que todos vão gostar do que direi: paulistas, mineiros, gaúchos, a turma do Norte, do Centro, do Nordeste.  Todos devem estar sentindo o mesmo que eu, com relação às suas cidades.    Por isso continuem a ler, peço com todo o carinho.
Como eu ia dizendo,  insisto em comentar esta cidade carismática, feminina, perigosamente linda, cuja atração fatal nos entorpece e não raro nos faz adoecer.  Penso que tenho pressão alta por causa do Rio. É verdade, não riam. É esta tensão demoníaca da cidade. Bobagem: podem rir, só pode fazer bem o riso gostoso.  Acabei de ler sobre um personagem de Victor Hugo, este extraordinário escritor francês, que enaltece, canta em prosa e verso, a cidade de Paris, no ano de 1820. E ele, como eu, exilou-se em outras terras e procura se recordar de uma Paris que já não conhece mais. Antes de lê-lo, eu, já  na minha última crônica sobre o Rio, lamentava que deveria ter admirado mais  a estonteante paisagem do Rio, uma pintura que nenhum pintor consagrado conseguiria pintar. Parodiando, em parte, no final da crônica,  o tal personagem, posso acrescentar que tenho  na mente as ruas onde andei por tanto tempo, as casas que visitei, as árvores que abracei, os bairros suburbanos que me atraíram, com as pessoas conversando à noite. Bucolicamente,  as cadeiras de casa  nas calçadas (Bangu, Realengo, Campo Grande, Madureira, Bento Ribeiro, Vila Valqueire, Jacarepaguá, que hoje não seria mais subúrbio). Toda a zona sul, não tão  genuinamente carioca. O bairro de Santa Tereza, do meu encantamento. Tudo isso e  muito mais, depois de quebrados os meus laços afetivos com esta terra é que vejo como esta saudade me açoita a alma, me fere, me corta, me apunhala, me sufoca, quase me faz parar o coração.

                           Os colégios que já não existem  (Colégio Mello e Souza, Rezende, Educandário Ruy Barbosa), os bondes, os lotações, o  Maracanã de 1950, o Tabuleiro da Baiana, o café Palheta da Praça Saens Peña, a Casa D’Africa, na Lapa, o High Life,  todas as ruas de Copacabana (sabia de cor os nomes de todas as ruas), que costumava andar a pé, do posto seis ao Leme, o lírico Bairro Peixoto, encravado em Copacabana, separado de Botafogo  apenas pelo túnel Velho.
      Construções que foram ao chão, novas construções, viadutos, pontes, gente aos borbotões, deformaram o Rio de Janeiro.        Realmente, o meu Rio desapareceu, já não vejo os lugares de outrora. Os cines Metro, Art-Palácio, Rian,  Asteca, São Luis, evaporaram. Tudo isso se torna uma melancólica lembrança. No entanto, amo e evoco estas lembranças, esta miragem, quase que suplicando para  que tudo isso não fosse tocado, não fosse alterado, porque me ligo a esta terra como se fosse  o rosto da minha própria mãe.
                           E, minhas amigas e amigos que leram até aqui,  para demonstrar o espírito carioca de outrora, claro, não poderia deixar de contar aquela velha piada da mãe judia, já que evoquei a minha super-mãe (é brasileira, mas o apego aos filhos lembra a mãe judia). Noutra ocasião contarei como minha mãe obrigou um General a me dar a carteira de reservista sem que eu servisse o Exército. Vamos à piada, para não me estender demasiado.Disse o psicanalista para a mãe: -"Tenho que lhe dizer que seu filho está sofrendo do complexo de Édipo. - "Não me importo, doutor, desde que ele ame a sua mãe, tudo bem".

            Peço aos amigos e amigas que me deixem  amar e sempre falar desse rico passado neste pobre e medíocre presente.