Coletor de Cenas (do Jubileu de S. José Operário)
O som da quermesse invadiu o quarto invocando e vocacionando tantas coisas e chamados que se perderam. Ele sentiu saudades.
Atendeu ao apelo, foi. Indo queria rever a cena da mãe, da irmã, do irmão e de si mesmo. Queria até mesmo encontrar novamente com eles. Idealizou: ele indo e a família retornando. Um sonho.
Era sábado ou domingo, não se sabe ao certo, que se ia àquela quermesse. Crisma com os capuchinhos e missa. Parque de diversão e um presentinho que se ganhava.
Houve uma vez, e era esta vez que ele queria o encontro dele indo e eles vindo. Esta vez em que ele e o irmão ganharam uma tiara de onde saia uma corda de sisal ou barbante encerado e na ponta uma bola. Chutava-se a bola ou se jogava com as mãos livres e ela voltava e nunca se perdia. Presente bobo, mas naquela época uma diversão – até que algo mais atrativo chamasse atenção – no momento era um encanto.
Ele foi e quem sabe em um passe de mágica, ou milagre do santo homenageado, ou algum outro motivo o encontro não se realizaria?! Vive-se de teimosia, fé e esperança.
Foi. Foi mesmo sendo hoje, não o menino crédulo – este ele queria reencontrar, mas sendo o homem que queria o milagre projetado de rever a alegria dos seus que já foram há muito tempo.
Foi. Não ocorreu mágica, nem milagre e nada que provocasse o reviver do encontro – estas coisas só acontecem em literatura.
A mãe e o irmão já morreram. A irmã agora é uma senhora e ele o homem de meia idade que foi atropelado pela realidade.
Encontrou. Encontrou não meninos com bolas amarradas ou outro brinquedo. Ele encontrou jovens que riam sem graça, jocosos e com canecas amarradas em tocas na cabeça para se embebedarem.
Não achou crisma e nem capuchinhos e nem missa. Viu pessoas gordas comendo qualquer guloseima malcheirosa desefreadamente para aplacar a gula e bebendo para matar a ansiedade.
O parque de diversão estava no mesmo lugar, mas vazio e triste. Rinchando seus brinquedos como que chorasse um passado morto.
Encontrou sim, a vida refeita e a realidade que despelou os sonhos. Vestiu-se maturidade.
Achou outras cenas, porque as velhas haviam sido guardadas na memória.
O menino se perdeu na multidão.
Foi assim os 50 anos do Jubileu de São José Operário em Barbacena.
Foi o tempo que a vida levou para produzir, forjar no forno, aquele que conta em suas crônicas o encanto e o desencanto, o encontro – só com as lembranças só. E isto basta para o Coletor de Cenas que conclui:
A vida é um mistério, porque não há o porquê, só um quê solitário. E é no contar a cena ordinária que se sociabiliza e coletiviza experiências e vivências rompendo com a solidão que faz o poeta e que brinca de escritor da vida – e há quem diz: “escrever não é para qualquer um não” e estes, frustrados talvez ou medrosos de suas escritas vivem apenas de citações alheias.
Leonardo Lisbôa
Barbacena, 01/05/2014.