Sabiá mineira

Sabiá Mineira

De manhã, na hora do café, a Creusa vem mostrando as penas da sabiá. –Olhaí, o rato comeu a sabiá.- Penas que deram pena. A sabiá verdadeira, presente do Celso Carvalho, o rato havia comido. Dentro da gaiola. Tinha ficado só as penas. Perdida a vontade de tomar o café matutino.Creusa não sabe as horas de dar notícias. A sabiá era mineira, a mãe do Celso havia trazido de Belo Horizonte,presente para o filho querido.O passarinho havia sido apanhado novo, andando no jardim da casa. Fez uma viagem.Veio morrer no Piauí,comida pelos ratos que habitam no nosso conjunto K 10, um quarteirão quadrado, onde tem pizzaria, salão de beleza, escola de música, a casa do Valmir, a casa de dona Maria Brito , a casa do procurador assassinado, a casa das meninas do seu Armando, a casa da Dalvinha, do Djama da Marlene e a nossa modesta moradia onde morava também o pássaro mineiro, sabiá verdadeira que parecia música gravada. Ela quase que dizia: “O seu amor é só pra mim”. Não podia ver nenhuma manifestação na cozinha que abria o bico.De madrugada, quando os primeiros operários passavam ou os últimos boêmios pisavam a calçada, lá no fundo do quintal pois era lá que ela morava, de lá, a sabiá verdadeira respondia. Mas o canto aí era diferente. O seu toque preferido era aquele que eu traduzia e dizia que ainda iria fazer uma letra para tão bonita música. “O seu amor é só para mim” entendia eu. De manhã, depois do café, quando eu pegava mamão, manga ou melancia e levava um tico pra sabiá ,ela esperava de bico aberto, não esquecendo de dar uma bicada no dedo que entrava na gaiola.Como se fosse um carinho, um toque de gratidão pela fruta que ela comia na gaiola, presa,porque não podia sair, voar e bicar a fruta no pé, escolher o que quisesse bicar, pousar no galho que quisesse e cantar não de sofrimento pela prisão mas de alegria pela liberdade de voar e fazer do espaço seu território livre. O pior é que não se pode vingar a morte da sabiá porque não se sabe qual foi o rato e todos os ratos são pardos, assim como os gatos , á noite, e nunca se acaba com ratos nem que tenhamos “mil gatos”. Como os vendedores de Cds, eles são muitos e se multiplicam. Infelizmente não gravei o canto da sabiá e nem fiz a letra para colocar na sua música principal.Sim, porque dependendo da época, ela mudava de canto.Acho que todos os seus cantos eram de tristeza pela prisão da gaiola e hoje não sei se ela sofria mais do que o Assum Preto de Luz Gonzaga com os olhos furados para poder cantar mais e melhor. O que eu sei, minha amiga, é que perdi minha sabiá e que a notícia me foi dada, assim, de supetão, pela Creusa:- “O rato comeu a sabiá !” Coitada da Creusa. Para ela a sabiá era apenas um passarinho.

garrinchapiaui
Enviado por garrinchapiaui em 08/05/2007
Código do texto: T479091