Reencontro

Pensei que tivesse perdido minha mãe, quando ela se foi numa manhã de janeiro, sem ao menos me dizer adeus... Não perdi. Encontrei-a de repente no meu caminho quando senti o perfume das rosas que ela amava. Senti sua presença ao meu lado na confidência da fragrância que sentimos juntas. Diminuiu um pouquinho a minha dor e cresceu ainda mais a saudade.

No tempo da chuva que demorou a vir, também senti o gosto da sua presença no cheiro da terra molhada. Minhas lembranças me levaram de volta para a menina que a via cuidar do quintal, jogar a semente e ver crescer o milho, riqueza de sabores com que ela fazia mesa farta nos tempos da pamonha e do mingau, que só ela sabia fazer tão bem. Nossa casa mudava de cheiro, nossas bocas se extasiavam com o gosto das delícias que ela conseguia tirar das espigas que ela tratava como se fossem ouro. Eu a reencontrei nas lembranças da terra pródiga, da mesa farta, da fome saciada que ela se desdobrava para fazer em nós.

Numa simples sopa, o gosto inesquecível do melhor banquete, tanto era o amor que se fazia ingrediente. No tempo das goiabas, era uma moleca de novo, buscando as mais amarelinhas para jogar no tacho. E a vizinhança inteira dava notícias que minha mãe fazia goiabada. Ali mesmo, no quintal, debaixo do sol, enfrentando um calor intenso, mas com um sorriso no rosto ao ver o vermelho irresistível que iria fazer a alegria da molecada. E ficávamos lá, a postos, com a colher em guarda para raspar o tacho. Foi sempre uma festa que se repetiu por anos até que as goiabeiras ficaram altas demais para o alcance dos seus braços. Sua presença é muito forte quando sinto o cheiro do doce de goiabas. É por isso que me aventuro a repetir a história, só para voltar no tempo e vê-la sorrindo nas minhas memórias.

Ainda me dói vê-la em fotografias. Lá ela está imóvel, aprisionada no tempo, como se o relógio tivesse parado ali naquela cena que construiu a imagem. Eu gosto de vê-la nas minhas lembranças em que ela caminha serena nos cômodos de nossas casas, que foram muitas, até que nos livrássemos do aluguel. Cada uma tem um tempo de lembrança diferente, uma marca que ficou do tempo em que ali passamos. E são nessas lembranças que eu a estou reencontrando agora. E não só nos lugares e nas coisas. Dentro de nós também.

Há pouco tempo, a emoção calou minha voz quando reconheci o brilho do seu olhar nos olhos de um dos seus. Somos filhos, somos netos e somos partes, pedacinhos seus continuando na terra. E eu havia m esquecido disso. E agora a estou descobrindo em sorrisos, em gestos, em sonhos e lutas, que era o ela mais tinha. Mas é nas asas da fé que eu a reencontro com mais freqüência. Suas mãos envolvidas no rosário em comunhão com Deus é a imagem mais doce que guardo dela. Nossos reencontros são cada vez mais fortes quando o silêncio também me convida a conversar com Deus. E ao olhar para o alto, quando a saudade sangra nas solitárias noites, eu a imagino a caminhar no céu, serena como uma estrela. E é de lá que eu a vejo, sorrindo para mim todas as noites, num brilho intenso que nasce dessa luz com a qual ela ilumina o caminho de seus filhos, como só as mães sabem fazer.

maria do rosario bessas
Enviado por maria do rosario bessas em 01/05/2014
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