Empresário que Valorizava seus operários Desaparece Misteriosamente em Barbacena*
Parece livro de Agatha Christie, mas não é nenhuma obra literária de suspense e nem manchete de jornal sensacionalista.
Um inglês sumiu de Barbacena com toda sua discrição britânica. Não deixou vestígio de seu sumiço. Nunca mais seu nome foi noticiado e sua pessoa vista nos rincões mineiros.
Tom Pilkington deixou a cidade sem barba e é retirado de cena misteriosamente.
A cidade de Barbacena foi marcada, o Bairro São José em especial, pela presença de sua fábrica de tecido. O nome deste bairro foi muitas vezes confundido ou omitido pela referência popular marcante: “O Alto da Fábrica”.
A Cia de Fiação e Tecelagem Barbacenense foi fundada nos primórdios da centúria passada. Barbacena ganhava novos ares diferentes de seu passado econômico. A cidade “muito nobre e leal” se viu deixando respirar os ares monárquicos e começou a respirar os ares republicanos com o surgimento de seus primeiros operários que a pratica de fiação e tecelagem fez surgir. Pessoas sem conhecimento técnico aprenderam na prática ensinada por poucos que sabiam.
Esta fábrica logo enfrentaria problemas com a inexperiência de seus primeiros administradores e com a guerra mundial que atrapalhou o comércio externo como compra de maquinário.
Duas décadas tateando no escuro foram suficientes para que ela fosse vendida a um grupo de ingleses que compraram a fábrica para a sorte dos operários e de seus antigos proprietários.
Mantiveram o nome original da companhia de tecido. Mas a cidade se viu às voltas com um grupo de ingleses liderados pelo senhor britânico de nome Tom Pilkington. Eles logo foram injetando capital na moribunda empresa e estabelecendo administração à moda inglesa. Tinham know-how. A fábrica reagiu como convalescentes tratados.
Com Pilkington gerenciando, a Cia Têxtil prosperou e o responsável pelo sucesso recebeu até medalha de ouro em reconhecimento por sua empresa ter sido considerada a melhor do ramo em Minas Gerais.
Tom colocou a indústria nos eixos afugentando os ratos do fracasso.
O empresário britânico, além de fazer prosperar a companhia economicamente, investia no bem-estar de seus funcionários. O operariado passou a ter assistência médica, cultural com uma corporação musical, esportiva com um time de futebol e residência mandada construir em um mote de 50 casas.
A fábrica passou a ter 500 operários e uma diretoria com secretária executiva. Era uma leve nuance do regime industrial inglês bem no seio do Brasil do Café-com-leite. Em Barbacena no “Alto da Fábrica” servia-se o “chá-da-tarde”.
Mas nem tudo era xícara de porcelana. Em agosto de 1924, dia 16, os operários pararam seus serviços. Não queriam a presença, os mandos e desmandos do técnico vindo de São Paulo desacostumado com os tratos à moda inglesa. Pensava que ainda ali naquela fábrica do interior mineiro o que impunha respeito era a chibata. Infeliz técnico descontextualizado! Saiu escoltado pela polícia para a garantia de sua integridade física, porque a moral havia sido perdida.
A diretoria evitando maiores aborrecimentos mandou pagar os dias parados e os operários tiveram seu pagamento adiantado no dia 20 por todo mês daquele desgosto.
Tom Pilkington era diferente de qualquer patrão: defendia até modos e comportamentos de seu operariado fora de seu estabelecimento nos festejos carnavalescos noticiado em nota invejosa, “O Astral”, que queria difamar os trabalhadores daquela tecelagem.
Tom era britânico, discreto por natureza, porém receptivo e festivo! Seu aniversário foi comemorado no dia 29 de março de 1924 pelos seus operários que bailaram toda aquela noite ao som da banda formada por eles próprios. Tocavam, brindavam e dançavam festejando a vida de seu generoso gerente.
Pilkington era assim. Tinha visão diferente do mundo dos negócios. Por isto mandou distribuir para agricultores sementes de algodão. Pensava no mercado como um todo: matéria-prima, mão de obra satisfeita, produção e consumo.
Se no Alto da Fábrica havia rosas, no Brasil, espinhos. O governo brasileiro protetor dos fazendeiros não achava graça nos movimentos operários de São Paulo. Exigia repressão.
Barbacena sentiu os efeitos desta política de privilegiados, de conservadorismo, de repressão. Ter gerente de uma fábrica que se modernizava não era bom exemplo e era perigoso. Mesmo sendo interior do estado dos produtores de leite e não dos produtores de café, isto não era bem visto e aceito pelos coronéis de lá e nem dos de cá.
A 19 de agosto de 1924 a Cia de Tecelagem noticiava que o generoso Tom Pilkinton deixava de ser seu gerente.
E desta forma o nome Tom Pilkinngton desapareceu das páginas de nossos jornais e sua pessoa, de nossas ruas e da vida social barbacenense.
Foi como veio. Discreto. E com ele o nome da “Companhia Fiação e Tecelagem Barbacenense” murcharia como rosa despetalada e levada ao vento. Em 1930 surgiu a Companhia Têxtil Ferreira Guimarães.
Sumiu Tom Pilkington deixando a cena e todos com a barba de molho. Suas práticas sociais trabalhistas eram britânicas demais para a terra onde os coronéis ainda impunham suas bitolas e cabrestos.
O espírito do empreendedorismo que sabe que empregado que é valorizado é o sócio “in oficio” do patrão, pois é o que melhor produz, não chegou a Barbacena. Chegou, mas sumiu naquela época com o inglês que partiu sem mandar notícias.
O chicote da escravidão disfarçado em brutalidades e a exploração se fazia sentir. A bajulação dos capangas é que garante os empregos.
Passados cem anos, o que mudou para o trabalhador brasileiro? Como pensa nossos empresários? O que move a economia de Barbacena hoje?
*Crônica-ensaio baseado no livro de Silvério Ribeiro: História Econômica do Município de Barbacena. Recorte: A Companhia Fiação e Tecelagem Barbacenense, p. 99 a 123.
Nota: Na oportunidade parabenizamos o autor Silvério Ribeiro pelo resgate de nossa história em sua obra citada e nos fazer lembrar. Pois, “Um povo que esquece sua História está condenado a repetir seus erros.”
Leonardo Lisbôa
Barbacena, 01/05/2013.