Algumas mulheres de Caymmi

          1. Cheguei em Salvador nos primeiros dias de dezembro de 1957 e já disse isso algumas vezes. Até encontrar um lugar para morar, hospedei-me no Convento de São Francisco, no Terreiro de Jesus, Centro Histórico da capital.
          2. Durante três meses ocupei uma cela fradesca olhando para a Baixa dos Sapateiros, o que me dava a inequívoca certeza de que eu estava mesmo na Bahia.
          3. Da minha janela eu via, também, uma antiga igreja, a igreja de Santana, de duas torres e seis altares, construída em 1828; e que, só por um milagre, ainda não ruiu. É revoltante o descaso com que as autoridades tratam o velho templo de certo tempo para cá.
          4. A hospedagem, vale deixar claro, fora uma cortesia do Padre Guardião ao ex-seminarista seráfico e sobrinho de um frade mui querido. 
          5.   Em algum lugar, contei tudo sobre esse momento feliz de minha juventude - eu tinha 24 anos -, sempre agradecendo aos franciscanos da Bahia a providencial e gentil acolhida, sem onus para o insignificante hospede.
          6. Embora subordinado aos horários rígidos do convento e à mongil programação conventual, iniciei minha peregrinação pelas ruas, esquinas, becos e avenidas da encantadora capital dos baianos. Não nego que, vez em quando, dava uma passadinha nos seus bares e lupanares, onde cantavam gloriosos croners.
          7. É que eu queria ver tudo. E sentir, com intensidade máxima, a propalada magia da Boa Terra, a cidade mais alegre e canora do Brasil.
          8. Atento, pois, à Salvador canora, um de seus compositores chamou-me a atenção: Dorival Caymmi. E fui adquirindo alguns vinis com suas músicas, nas "paradas de sucesso", garantindo uma elogiável liderança.
          9. Dando asas ao meu romantismo de jovem por alguém apaixonado, adorava vê-lo cantando Dora, Anália, Rosa morena e principalmente Marina, algumas mulheres do Caymmi no verso e na canção.
          10. "Ó Dora...Ninguém requebra, nem dança, melhor que tu." 
          "Rosa morena/ Onde vais morena Rosa/ Com essa rosa no cabelo e esse andar de moça prosa/ morena, morena Ro-sa.../ Deixa de lado esta coisa de dengosa/ Anda, Rosa, vem me ver."
          "Eu vou convidar Anália/ Eu vou/ Se Anália não quiser ir/ Eu vou só! Eu vou só! Eu vou só!"
          11. Mas, pela doçura, simplicidade e sinceridade de seus versos é Marina, para este sambado cronista, talvez a canção mais romântica do Caymmi.
          12. É transcrevendo, na íntegra, a canção Marina que presto minha homenagem a Dorival Caymmi neste dia - 30 de abril de 2014 - em que a Bahia comemora o seu centenário.
    
     "Marina, morena/ Marina você se pintou./Marina, você faça tudo/ Mas faça um favor/ Não pinte esse rosto que eu gosto/ Que eu gosto e que é só meu./ Marina, você já é bonita/ Com o que Deus lhe deu./ Me aborreci, me zanguei/ Já não posso falar/ E quando eu me zango, Marina/ Não sei perdoar./ Eu já desculpei muita coisa/ Você não arranjava outra igual/ Desculpe, Marina, morena/ Mas eu tô de mal."
          13. Caymmi está no Céu, desde agosto de 2008, ao lado de outra mulher que, em uma de suas meigas canções, ele chamou de "A estrela mais linda"; "O sol mais brilhante"; "A beleza do mundo"; "A mão da doçura"; "O consolo da gente" e "A Oxum mais bonita": Maria Escolástica da Conceição Nazaré, a Mãe Menininha do Gantois.  
 
Felipe Jucá
Enviado por Felipe Jucá em 30/04/2014
Reeditado em 30/04/2014
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