ABRAÇOS
 
            Lembro de ter tido contato físico amigável com meu pai em duas oportunidades: a primeira, quando aos quatro anos de idade ele me tomou ao colo porque eu estava com medo do Papai Noel; na segunda, quando passei no vestibular para Medicina e ele, protocolarmente, apertou-me a mão e deu-me os parabéns. Os demais contatos foram sempre através de surras de relho que me traumatizaram severa e definitivamente pelo resto da vida.
            Assim aprendi a ser homem, imitando meu pai. Corpo rígido, mão estendida à frente, evitando qualquer contato que pudesse distar mais de um comprimento de braço. Isso, com os homens. Com as mulheres permitia-me um leve roçar de faces, no que poderiam ser dois beijos, como mandava a tradição.
            Foi no ano do caos em que sucumbi em 1.987, quando, isolado de amigos e familiares, desolado com a profissão e assolado por uma relação de par que se desintegrava dia a dia, fui buscar ajuda. Primeiro um terapeuta individual. Troquei para terapia de grupo, onde me sentia mais à vontade. Por coincidência, meu terapeuta era facilitador de Biodança e aconselhou-me a integrar o grupo que se reunia uma vez por semana.
            Não pretendo descrever técnicas, pois isto não interessa neste momento. O fato é que, gradativamente, fui me permitindo ao abraço, à carícia, ao contato incondicional, com pessoas que sequer conhecia e, alguns anos depois, isto se tornou tão natural na minha vida que, instintivamente, a cada encontro, quer fosse o primeiro, quer fosse o de sempre, atirava-me descontraidamente para o abraço. Com o tempo, aprendi a ser mais comedido, pois há pessoas que se sentem muito incomodadas com este tipo de atitude.
            Fiz esta introdução para facilitar o entendimento de três pequenas histórias que, talvez tenham mudado a vida de pessoas, em pequenas coisas pode ser, mas que mexeram com a vida delas, sem que eu saiba precisar o quanto.
            Depois de trabalhar anos com um irmão mais velho, já então advogado, nos separamos por um desentendimento banal. Passados meses da separação, nos reencontramos e, eu, espontaneamente, o abracei com força e o beijei. Ele ficou estático, não sabia o fazer. Desvencilhou-se do abraço e tratou de entabular um diálogo qualquer. Percebi que tinha me excedido e que deveria ter mais cuidado no próximo encontro.
            Meses depois nos reencontramos e qual não foi a minha surpresa? Ele me deu um forte abraço e me beijou. Depois disso, até o dia em que ele morreu, foi assim que nos cumprimentamos a cada encontro e a cada despedida.
            Com meu irmão mais velho, que também recentemente faleceu, os fatos não aconteceram de uma forma muito diferente, embora ele fosse um pouco mais sisudo. Até mesmo nas vezes em que, inadvertidamente apenas o abraçava, ele fazia questão de me beijar. Quando o visitei no hospital, no dia anterior da morte dele, segurou-me a mão e chorou. Chorou “como uma criança” (usei as aspas para acentuar nosso preconceito secular de que apenas criança chora). Foi a primeira vez que presenciei um homem de minha família chorando. O que eu fiz? Chorei junto e o abracei, como não pude abraçar meu pai antes de ele morrer.
            Muitas outras vivências tive, por força do abraço, com meus filhos, amigos e tantas pessoas com quem convivi. Mas, recentemente, contaram-me um fato interessante que eu nem suspeitava e que ocorreu lá pela época dos anos 1980.
            Segundo a filha, minha amiga, o pai era uma pessoa extremamente reservada e avessa a qualquer contato físico. Como padrinho de um filho deles, nos encontrávamos seguidamente. Num dia, visitei-os na praia e lá estava o pai, que eu não conhecia. Ao ser apresentado, como de costume, dei-lhe um forte abraço, encostando o rosto no dele. Percebi a resistência, mas não desisti do abraço. Creio que nunca mais nos encontramos, pois ele faleceu poucos anos depois.
            Outro dia, sentado num bate-papo com meus amigos, eles me contaram o quanto ele havia ficado impressionado e feliz com o abraço que eu havia lhe dado.
            Foi, então, que dei-me conta como um simples gesto pode ter enorme importância para uma pessoa.
            Passei horas me lembrando de pequenos gestos de pessoas que marcaram para sempre minha vida. A elas, um brinde de espumante.
Nelson Eduardo Klafke
Enviado por Nelson Eduardo Klafke em 28/04/2014
Reeditado em 28/04/2014
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