Outro Santo no Céu
Era domingo e todos almoçavam em frente à televisão, o velho aparelho captava alguns canais e chuviscavam em outros. No prato de cada um era aquela ordinária composição; arroz com feijão e abobora cozida, coberto por pedaços de torresmo e peles fritas que faziam som de samba quando bocas mastigavam juntas. Sete filhos entre seis e quinze anos, ainda tinha a Bolinha, cadela amiga que aguardava ansiosa o desfecho daquela cena, pois se alimentava das sobras. O pai estava na feira do mercado, com um saco de linhagem revirando os tambores de lixo reciclando frutas, verduras e legumes para o jantar. Interromperam a programação normal para falar da beatificação dos papas João Paulo ll e João XXIII, numa panorâmica a câmera mostrava uma multidão em êxtase, com representantes de todos os cantos do planeta. O repórter destacara o valor que a prefeitura de Roma pagaria por todo aquele movimento para tornar santos aqueles homens, coisa de mais de sete milhões de euros. Com o raro intuito de informar com sabedoria explicara todo o processo, afirmando que o Santo deve ter no mínimo um milagre provado para ser aceito. Uma das filhas que se interessara pelo que ouvia e quisera saber da mãe se o pai seria transformado em santo quando morresse, já que ouvia pessoas elogiarem dizendo que ele fazia milagres com o que ganhava no serviço braçal, além de pagar aluguel, água, luz e comprar o gás, também fazia a feira dos finais de semana. A mãe congelada com um torresmo dançando na boca sem dentes sabia o que a filha queria dizer, porém não tinha o que responder. Mudara o canal torcendo um botão que mais parecia um registro de fogareiro, saindo com o mesmo silencio sem terminar de comer. Bolinha que não tinha nada com isto abanara o rabo em agradecimento. Agora o medo lhe invadia a sanidade, o marido fazia além do milagre da multiplicação do pequeno salário que recebia, também tinha o hábito de agradecer pelo sofrimento, agradecer pela chegada da noite e pela luz do sol que raiava nas manhãs, parecia mesmo santo. José de Expedito reforçara a esposa em suas elucubrações afirmando que o marido já trazia dois santos no nome; o Pai de Jesus e o Santo das causas impossíveis. E por ali ficara a maquinar, no fim da tarde chegou o próprio, como sempre costumava, o saco na bagagem da bicicleta com as mais diversas frutas, umas inteiras com partes podres, outras totalmente boas e algumas só a metade, hortaliças murchas se misturavam com vagens e restolhos de carne para preparar o feijão que os filhos tanto gostavam. Tinha nome de dois santos, mas não era de ferro, cantava coisas sem nexo e tinha as pernas bambas, mas não se esquecia de confessar quem pagara suas doses. No outro dia era a mesma labuta, acordar no primeiro cantar do galo fazer o café, preparar a marmita do marido e arrumar os filhos que estudavam naquele horário, tudo roboticamente como se sempre fazia. Mas o pensamento do marido santo não lhe saia da cabeça, imaginava como a vida seria diferente se tivesse um santo tão próximo velando por eles, lembrara-se da comadre que fizera promessa com São Judas Tadeu para comprar um carro e em pouco tempo estava com o veiculo na porta, outra fizera promessa com Santo Expedito para comprar uma casa e já estava pensando em aumentar a construção, e olha que ela nem é parente deles. Como seria bom se o Zé estivesse no céu como santo. Indagava a mulher que sonhava com vestidos novos para ir à missa como as madames que via na Catedral, ter um carro com motoristas para as filhas ostentarem na escola, comprar celulares e notebooks para todos. Ela faria escova progressiva nos cabelos e teria um caso com o medico que lhe apalpara os seios no exame de prevenção. Precisava saber mais sobre a história de gente virar santo e fora até o Padre, que naquele dia estava ocupadíssimo organizando a Paroquia para a homenagem ao São João Paulo ll. Primeiro ficou sabendo que era impossível um vivo ser Santo, depois que a pessoa quando morre dependendo dos milagres automaticamente já se transforma em Santo, agradecera ao Padre fazendo o sinal da cruz se fora de cabeça baixa. Na mesma noite o SAMU tentava em vão reanimar o senhor José de Expedito. Para a policia dissera que o marido havia colocado propositalmente veneno na comida para matar todo mundo, por sorte naquele dia ela e os filhos comeram salgados na festa de aniversário da vizinha e não quiseram jantar. No enterro, os amigos choravam e diziam que ele era Santo. A mulher em pensamentos concordava, - Amém.