O MEU PAI É CHATO, QUADRADO, ANTIQUADO, CARETA E RABUGENTO

Fui criada por meu pai. Deixando a modéstia de lado, nasci privilegiada, pois sempre chamei a atenção pela minha beleza física, inteligência e perspicácia. Quase sempre fui primeiro lugar nas escolas por onde passei, ou nos diversos concursos que participei. Sempre me destaquei pelos dons que Deus me deu. Meu pai me criou à maneira antiga; à moda em que foi criado. Oriundo do interior nordestino, de origem pobre e humilde, a mim me impôs o sistema em que meu avô o criou. Rígido. Bastante rígido e obsoleto.

Namorar? Rum! Só após os dezesseis anos, e olhe lá. Isso mesmo, em casa, embaixo do seu olhar.. Sair sozinha com o namorando? Mas de jeito nenhum. Só se fosse acompanhado do meu irmão chato. Até mesmo para sair com as minhas colegas ao Shopping. Dormir na casa do namorado? Mas nem pensar...nem por um decreto. Ele não gostava nem que eu dormisse na casa de minhas colegas. Sempre dizia para eu convidá-las para dormir em nossa casa. O meu pai sempre que pode me levou aos lugares, tipo escola, shopping, casa de colegas, essas coisas, alegando que estava a zelar por mim.

O meu pai era (ainda é) do modelo antigo. Antiquado. Do tipo inflexível onde, em alguns casos, prega que existem coisas que são inegociáveis. Chato, quadrado, careta e rabugento. Assim era o meu pai. Eu nunca soube o que foi liberdade. A mim sempre foi negado o direito de participar de coisas comuns aos adolescentes da minha época. A partir dos doze, treze anos, as minhas colegas, filhas de pais modernos, sempre foram livres para irem à praia, a shows, shopping, cinema, festas de jovens, dormir fora de casa, com os demais colegas...enfim. A mim, não. Tal direito sempre me foi negado. Meu pai, chato pra caramba, sempre me proibiu que eu experimentasse qualquer tipo de bebida, ou cigarro, ou algum tipo de droga, por mais leve que fosse. No entender dele, isso era a porta de entrada para um precipício sem volta.

A mim só era permitido fazer parte do grupo de jovens da igreja; encontros com Cristo, participar de grupos de oração, praticar vigília e adoração a Deus, além de participar da missa toda semana.

Minha sorte é que arranjei um aliado muito forte que me ajudou a transpor todos os obstáculos que me afligiam no decorrer dessa minha caminhada: O TEMPO. Quando me espantei, quando dei por mim, já era mulher feita, estudos concluídos, profissional reconhecida.

Graças a rabugice, a caretice e ranzinzice do meu pai, hoje sou uma pessoa muito feliz e realizada. Moro sozinha e tenho a minha vida supersaudável e independente. Mesmo assim aquele meu pai chato, apesar dos meus vinte e oito anos, muito ainda se preocupa comigo, em todos os aspectos. Ainda sou a sua criança, levada e sapeca. Sou coordenadora de um grupo de jovens na paróquia onde congrego, retribuindo assim um pouquinho daquilo que a mim foi dado na juventude.

Sou realizada profissionalmente, pois amo o que eu faço. Sou funcionária de órgão federal concursada onde exerço função de chefia e, hoje, particularmente, é um dia muito especial: estou a receber o título de doutora; título que tanto almejei em toda a minha vida.

E olha quem está ali à minha frente, orgulhoso a me parabenizar! O chato do meu pai. Aquele chato que eu, na minha estúpida ignorância, não sabia reconhecer; não sabia definir que tudo aquilo que a mim era imprimido, em doses homeopáticas e constantes era elixir do verdadeiro amor. Verdadeiro amor paternal. Na minha obscuridade não entendia que todo o tempo o meu pai rabugento só pensava em me proteger e perseverar o bem mais valioso que eu tinha – a minha vida.

Ah! Ia esquecendo. Semana passada, eu e um grupo da minha paróquia estivemos a visitar um presídio feminino aqui da minha cidade. Qual não foi a minha surpresa ao deparar-me com uma ex-colega de ensino médio, a Lana, lá naquele inferno, a purgar os pecados. Está cumprindo pena por tráfico de drogas. Já tirou quatro anos e ainda faltam mais quatro. Mas o pior nem é isso. Ela contraiu AIDS, através do uso de drogas. Está mal. Talvez nem sequer tenha vida para cumprir a pena na totalidade. O pai da Lana era tido como pai moderno.

Portanto, só hoje sou capaz de mensurar o tamanho da sorte que eu tive de ter na vida um pai antigo, chato, rabugento, quadrado e careta. E, é claro, todo dia a primeira coisa que faço quando acordo é agradecer a Deus por isso.

- Pai, eu te amo! Seu chato!!!!!