Ilha da Magia
Começo a teclar as primeiras palavras desta segunda de sol na Ilha da magia. Hoje, após o almoço lá no Restaurante Mirantes, fui comer uma deliciosa torta de chocolate com leite condensado na Doce Maria ali na Vida Ramos com a Jerônimo Coelho, no centro. Doce Vida.,depois de saborear a generosa fatia foi então que subitamente comecei a fazer um balanço geral de situações que me machucaram nos últimos tempos. Não me é possível escrever como se nada tivesse acontecido. Aconteceu e estou machucado. As pancadas doem mais quando você se dá conta de certas coisas com o passar do tempo. Mas, ele, o tempo, fez o seu trabalho. A raiva se foi. Meus pensamentos voltaram à sua tranqüilidade Tao. Lembrei-me de um ditado antigo que dizia que os remédios amargos são os que curam. Naqueles tempos a cura das perturbações digestivas se fazia com um purgante. Eram horríveis de se tomar. Mas o seu resultado era uma purificação total do intestino. Depois do purgante e seus efeitos a pessoa ficava leve. A leitura foi uma companheira inseparável. Na verdade a leitura passou a conviver comigo como uma amiga ninfomaníaca. Sempre me chamando e querendo mais... Mais... Mais... E mais... Murilo Mendes, meu conterrâneo lá das Minas Gerais, dizia que a leitura é um ritual antropofágico: o que se lê é o sangue e a carne de quem escreveu. Pensei que talvez fosse sábio devorar antropofagicamente a comida amarga e apimentada que me estava sendo servida para que ela faça o seu serviço purificador dentro de mim. Você vai falar com certeza que eu vou citar o Nietzsche. Surpresa...Vou ! Esse eu vou repetir sempre, não adianta... Ele está presente. Sua escrita é música. No Ecce Homo ele escreveu isso: "Em última instância, ninguém consegue tirar das coisas, incluindo os livros, mais do que aquilo que ele já conhece. Pois aquilo a que alguém não chegou por meio da experiência, para isso ele não terá ouvidos". Traduzindo: o que lemos nos livros somos nós mesmos. Somos a nossa eterna literatura. Livros são espelhos em que nos vemos refletidos. Isso explica uma curiosa experiência: começamos a ler um livro e o achamos tolo e chato. Nós o abandonamos depois das primeiras 20 páginas. Passados muitos anos voltamos a ele e o achamos maravilhoso. O que aconteceu? O livro não mudou. Mudaram-se os olhos, mudou a experiência de quem lê. Faz uns tempos fui à procura de um livro que me havia encantado quando adolescente. Bem, lá em Goiânia, comecei a ler esse livro e acabei dando um tempo dele. E pretendia um dia retornar até a página interrompida. Depois de algumas páginas de leitura deixei-o de lado para que a memória do meu encantamento adolescente não fosse estragada. E agora passados alguns anos fui atrás deste livro, numa livraria. Bem, o meu gosto havia mudado nesses últimos anos ...Não foi a minha inteligência como leitor que mudou. E sim tem a ver com as experiências humanas anteriores que são os pressupostos no ato de ler. Well...Well...A proximidade física é um engano. Próximos, fisicamente, estamos infinitamente distantes um do outro. Aqueles próximos ou distantes que se encontram dentro do meu universo, com esses é possível entendimento, ainda que não se use uma só palavra. Com os outros próximos, moradores de outros universos, a comunicação não é possível, ainda que as palavras sejam totalmente claras. Well... Well... Já que eu curto cozinhar, vou brincar com uma metáfora culinária. Eu gosto de tabule com azeite de oliva extra virgem. Muitas pessoas detestam cebola.Se eu as convidar para um almoço e servir tabule e não contar que tem cebola picada, vão comer numa boa. Mas, se eu disser que tem cebola , se recusarão a comer e se sentirão ofendidas com a minha grosseria. O meu gosto não é o delas, embora estejamos assentados na mesma mesa. Muitas pessoas acham dobradinha um prato finíssimo. Eu não gostava de dobradinha. E passei a gostar depois que experimentei uma que um amigo fez lá na casa de praia com outros amigos.Isso foi há 10 anos.Por que eu não gostava de dobradinha? Meu desgostar nada tem a ver com o gosto da dobradinha. Tem a ver com minhas fantasias. No tempo em que eu morava só,antes de fazer amigos aqui em Floripa,logo quando cheguei, a maioria das restaurantes da Beira-mar serviam dobradinha. Vinham aquelas tiras de bucho mole, brancas, numa travessa. Para completar a minha fantasia, liguei essa visão a uma estória engraçada de que somente pessoas solitárias comem dobradinha. Resultado, não gostava de dobradinha. Mas, hoje sinto muita vontade da dobradinha. Sobretudo do espírito de comunhão que a ocasião proporcionava. Welll, aquela afirmação de Nietzsche indica que a compreensão de um texto não depende só de se saber ler. A compreensão de um texto acontece na relação que se estabelece entre as experiências que formam o universo do leitor e o universo do escritor, a partir do qual o texto é escrito. Se essa relação não se estabelece é como se o escritor escrevesse em italiano e o leitor lesse em japonês... Parodiando Bernardo Soares: "Nós não lemos o que lemos. Nós lemos o que somos!" Quando lemos estamos em busca daquilo que um amigo psicanalista chama de "identificações". Bernardo Soares disse que "arte é comunicar aos outros a nossa identidade íntima com eles". Amamos um livro que estabelece uma relação de harmonia entre universos, o do escritor e o do leitor. Quando os universos se harmonizam sentimo-nos felizes e dizemos: "É isso mesmo! É verdade! Quando, ao contrário, os universos colidem, nós refugamos e dizemos: "É mentira! É chato!" Um velho professor de Goiânia, me ensinou o seguinte: " Naief, jamais se explique. Para os seus amigos não é preciso explicar. Para os seus inimigos é inútil explicar alguma coisa". Beijo com sabor sem explicações....Doce Maria...Doce vida Diva. Naief