Presente Inusitado
Por Carlos Sena


 
Numa tarde, caminhando pela areia da praia encontrei algo impossível de se encontrar numa praia. Nem tão impossível assim, posto que encontrei. Coisas do destino ou do desatino? Diante do inusitado, parei diante do mar e me imaginei sentado na porta da minha casa, lá em Bom Conselho, vendo o tempo passar. Lembrando, acima de tudo, de uma tarde em que caiu um tremendo “pé d’água”. A cidade ficou molhada que mais dava para imaginar uma bela moça com uma roupinha transparente toda molhada desfilando alhures. Na contemplação da chuva, lembro-me que saí em busca de mim mesmo como se alguém tivesse me dito “você está no infinito”... E eu fui pro infinito. Naquela tarde, diante do presente preciso e precioso que encontrei perambulando nas areias, remeti à vida lembrando que nela, de fato, nada acontece por acaso. Mas, aquele achado era um acaso? Duvidei. Essa foi a razão da minha viagem a terra natal como que me remetendo a mim para “beber na fonte da sabedoria dos simples”...
Fiquei sentado na areia com aquele “presente” nas mãos sem saber muito o que fazer com ele. Passaram amigos e me indagaram confuso acerca do que estava fazendo ali, sozinho, com ar de estupefato.  No final da tarde, já bem tarde, naquele momento em que a praia cede seu movimento à noite como que se permitindo a uma cópula básica, mas muito extenuante. Vi que havia estrelas no céu e me imaginei conversando com elas, pois elas me inquiriam com severidade – era assim que eu as sentia. Baixei a cabeça e me imaginei por momentos entoando uma melodia suave bem ao tipo Bolero de Ravel – com movimentos lentos e acelerados qual meu coração cambaleante. Afinal, encontrar um presente inusitado numa praia é algo difícil de compreender. Porque na praia, no final da tarde, os garis varrem tudo, mas, esqueceram de varrer aquele que me daria tanto prazer e reflexão. Eu me varri de mim em busca de purificação. Imaginei que só aos puros se concede a santidade embora eu saiba que sou eternamente um santo do “pau oco”... E disso não abro mão, nem pés, nem nada. Mas era assim que eu me sentia – cheio de santidade e benevolência comigo mesmo e com pessoas que passavam por mim e só eu as via. Era uma multidão de pessoas em direção ao mar. Houve um momento que eu pensei que iria junto e, certamente, me afogaria. Porque à noite, embora os gatos sejam pardos, mais parda era a minha sensação de mistura do real com a ficção. Aos poucos, segui lentamente por entre a areia da praia e o turbilhão de paz que de mim se desprendia... Quando dei por mim, acordei porque estava na hora de caminhar no calçadão...