Bem Vestida, mas Carente
Ela passou toda bem vestida.
Diferente das moças do interior de outros tempos. Sim, porque noutros tempos eram poucas as privilegiadas que durante a semana podiam esnobar roupas que caracterizassem o “bem-vestida” – só aos domingos no horário da missa ou à noite no “fazer-a-avenida” olhando vitrines à procura de rapazes bem apessoados é para quem a maioria das moças andavam bem vestidas. Durante a semana desfilavam mesmo eram uniformes escolares – para poupar roupas para as finalidades domingueiras: passeio na praça, missa e ver as poucas vitrines que faziam a rua central ficar mais alegre. O uniforme escolar tinha até a finalidade de “carta coringa”: antes tê-los a estar sempre com as mesmas roupas corriqueiras da semana: vestidinho surrado, sainha batinha, chinelinho e sapatinho meia-sola.
Aquela que passava no instante presente do agora estava bem vestida: roupa nova, colorida; calçados da moda; unhas esmaltadas e bordadas. Tudo muito harmonioso. Ela passava elegante e falava ao celular com voz tristonha que apelava ao charme de uma gata no cio pedindo carinho. Falava audível para quem quisesse ouvir, não bastando o outro do outro lado da linha celular:
- Eu estou tão carente! Porque você...
E assim foi se distanciando à medida que meus pensamentos passaram a superar em volume a voz feminina que se distanciava em “lamuriazinhas”.
Como pode? Moça, elegante, com celular de última tecnologia... e carente. Carente de quê? Por quê?
E além de meus questionamentos íntimos sobre aquele mulherão... - Ops! - eu comecei apostar comigo mesmo:
Esta exuberância deve ser frequentadora de academia, manicure, pedicure, baladas e tudo o quê esta geração usufrui nos dias de hoje.
E continuei apostando comigo mesmo:
Aposto que deve ser fazer curso superior em alguma destas instituições da cidade ou cidades próximas.
Aposto que deve esnobar namorados, “ficantes” e amigos para amigas e amigas para amigos e... Não, não deve esnobar namorado e nem “ficantes” para amigas se não ficaria sem... E neste momento de apostas surgiu o inquérito:
-Será que é por isto que ela está carente? Foi esnobar para a amiga o namorado ou o “ficante” dela? Ou isto tudo não passa de um jogo de sedução: “Estou tão carente!”.
Pronto! A mulher elegante, mas carente, ganhou atenção! Nem que seja a minha, que parei para pensar na carência alheia e escrever esta crônica dedicada a ela – será que ela irá ler e se identifica no texto?
Pronto! Deixei escapulir a minha carência de ser lido.
Bons tempos estes do pós-moderno. Podemos falar das carências dos outros e expressar as nossas próprias que em outros tempos ficariam recalcadas em nosso íntimo.
Carentes sim, porém todos menos neuróticos!
Leonardo Lisbôa
Barbacena, 26/04/2014.