Me desculpe Bernardo...
Penso que este não era o teu mundo, não o mundo dos homens, tu deves ter vindo por engano, pois como entender que ninguém, nestes teus poucos anos de vida, um familiar, um amigo, um desconhecido, a justiça dos homens ou mesmo qualquer alma viva, te deram atenção, ouviram tua história, te fizeram um carinho, um mimo. Me desculpe Bernardo, tu passastes por aqui, caminhou sem destino, visitou seus amigos, andou meio perdido, sem um verdadeiro abrigo, sem conhecer o amor, a convivência em família, um lar de verdade, para que a tua vida tivesse sentido. É Bernardo, este é mundo dos homens, seres perdidos, onde impera a força, a ganância, o ódio, a mentira e, tu meu anjo não eras bem-vindo. Esta é uma sociedade de aparências que valoriza o brilho do ouro, os títulos, as conquistas, ninguém quer mais ser paciente, compreensivo, ninguém quer mais perder tempo, se doar, ser cativo, todos tem medo uns dos outros, de perder seu status, dividir patrimônio e, ao olhar teu olhar, teu jeito bondoso, querendo migalhas de consideração, pressentiram perigo. Neste mundo de hoje, negligente, displicente e omisso, só temos olhos para as trapaças, maldades, leviandades, que premiam as vitórias, alimentam as vaidades, parece que estamos apenas assistindo, pacientes com a violência, a barbárie e, assim caminhamos todos os dias, sem reclamar com o extermínio da espécie humana. Descanse teu corpo em leito sereno, na nossa Santa Maria, terra da Mãe Medianeira, aqui já acolhemos 242 anjos que se foram também pela ambição dos homens e, não te preocupes Bernardo, entre eles, serás acariciado, mimado, acolhido, saberás finalmente como é reconfortante quando se ama. Que o teu espírito de luz regresse ao teu plano, para o lado dos anjos, dos seres iluminados, evoluídos, onde tu estarás seguro, nos braços de Deus, do divino. Mas retornes Bernardo, daqui há milhares de anos, em um outro tempo, venha de novo, talvez tu encontres um homem melhor, menos burocratizado, mais atencioso, menos chato, mais afetuoso, menos técnico, mais humano e, não queiras um berço de ouro, escolhas uma casinha bem simples, uma manjedoura, como o menino Jesus, com algumas roupas para vestir, boa comida na mesa, nesta tu estarás livre, poderás entrar, conversar com aqueles que ama, correr pelos quartos e, brincar com os manos. Repenso as minhas atitudes, mesmo aquelas mais simples que ocorrem no dia a dia, sinto que deveria mudar tantas coisas, atender com mais educação aos meus semelhantes, não gritar, buzinar no trânsito, olhar com o coração, dar abraços sinceros, agradecer com um sorriso mas, na maioria das oportunidades não mudo, não percebo e, continuo somente alimentando medos. Bernardo, não foi nesta passagem que tu alcançastes a felicidade entre os homens, o ECA não te entendeu, a letra fria da lei não te prestou socorro, não te deixou escolher uma nova família, que te desse somente um teto, carinho, calor, afeto, por tudo isso... me desculpe Bernardo...
Alcibaldo Almeida