A pizza de calabresa que não comi

Uma garoa mansa depreciava aquela noite de sexta. Estávamos todos reunidos na sala de estar, jogando cartas, rindo dos momentos mais hilariantes da semana e aos poucos, ficando esfomeados. Juntamos um dinheiro e pedimos uma pizza. A minha preferida: de calabresa, com muito queijo derretido e borda recheada. Perfeita para comer junto de amigos. Perfeita para ser trocada por uma barrinha de cereal de castanha de caju. Isso mesmo. Trocada. Eu não comi a maldita pizza. Quando ela chegou, encarei-a por alguns segundos que pareceram horas. Virei as costas, abri a porta do armário da cozinha, peguei a barrinha e fingi que meus amigos não me olhavam como se aquele não fosse o maior equívoco da minha vida. Passou mais uma hora e eles foram embora. Levaram suas mochilas, casacos, cartas de baralho; levaram tudo, menos a minha pesada consciência. É sempre desse jeito. Eu posso ser a pessoa mais durona do mundo, com princípios revolucionários, porém quando a madrugada vem, eu volto a questionar meu atos e todas as oportunidades que eu deixei que passassem. Quando é que eu irei aprender a agarrar momentos? Não publiquei um texto no jornal da escola, pois tive medo de zombarem da "metida a escritora". Não me declarei para o garoto que eu gostava por vergonha, e hoje, ele namora a modelo da cidade. Não cantei no karaokê, pois juro que odeio chamar tanta atenção, mas pareceu tão divertido ao ver tantas pessoas rindo e cantando. Não dancei na festa, não chorei quando o Jack morreu, não sorri, não amei, não gritei, não dei risada alto, não usei tal roupa, não escrevi, não bebi. Não deixei-me ser levada. Não me permiti. Pelo simples fato de o orgulho ser maior do que a vontade de diferenciar meus dias. E é aí que encontro a maior ironia da minha vida: não realizo desejos por medo do ridículo, mas quem se sente ridícula debruçada sobre o parapeito da janela com uma xícara vazia na mão, toda madrugada, sou sempre eu.

Beatriz Bioni
Enviado por Beatriz Bioni em 25/04/2014
Código do texto: T4783067
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